LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano V, edição nº.233, de 23 a 29 de novembro de 1981.
CARÁTER: POR ONDE ANDAS?!
NELSON LORENA
O tempo! Que grande amigo ele é! Mostra-nos a breve ou a longo prazo a realidade da vida, a sinceridade ou falsidade dos amigos, a precária ou verdadeira fraternidade dos “irmãos”, a fortaleza ou tibieza dos íntimos, a grandeza e a decadência dos valores humanos, quebra a violência das lágrimas no infortúnio. Temos assim, nestes aspectos contraditórios da existência, a imagem da família humana. Somente ao homem de caráter, imune aos aspectos negativos da personalidade, é dado triunfar da adversidade gerada pelas decepções que o Tempo passa a nos mostrar. A cultura nos impõe admiração, mas o caráter nos inspira respeito. Conheci um homem de caráter, idealista e amante da terra que o acolheu desde o berço. Modesto, simples telegrafista, sob sua orientação e subordinação, médicos, advogados, políticos, homens de toda classe social fizeram-no a cabeça pensante e líder de todas as iniciativas sociais no campo da arte musical, teatral, dançante e dos ideais maçônicos. Somente dois fatos mencionaremos, como a imagem de um homem. Prometeu a um amigo sob palavra de honra o seu voto político, forçaram-no a renunciar à palavra empenhada, sob pena de remoção; manteve-se irredutível, foi perseguido e removido para os fins dos trilhos da Central. Declarou pela imprensa que “de Cachoeira não saio e em Corinto não fico”. Abandonou o serviço, pediu a aposentadoria, conseguiu e não saiu de Cachoeira, muito embora isto lhe houvesse custado o sacrifício mantenedor da família. Responsável pela subsistência da família de onze pessoas, recebeu uma proposta desonesta, mas que lhe deveria trazer estabilidade financeira e que consistia em perguntar à Central, pelo telegrafo, o resultado do “jogo do bicho” e, por pancadas do sino da Estação, por código combinado, dizer o bicho que havia dado. O proponente, já às portas do bicheiro na Margem Esquerda do Paraíba, fazia o jogo cujo resultado somente no dia seguinte era conhecido pelos jornais. Os lucros seriam “rachados”. Preferiu a vida sacrificada à mancha do caráter. Outro colega, embora houvesse recebido polpuda herança da sogra falecida na Bélgica, aceitou o negócio. Temos seguido suas pegadas, dignas que são e, de alguma forma, temos conseguido. Mas a concepção de honra, caráter, honestidade, mudou tanto daí para cá, que a vergonha, a dignidade, o brio, tornaram-se uma questão de estômago. E o pior é que os exemplos, geralmente, vem de cima com reflexo nos pequenos. Em política, principalmente, com raras exceções, aquele que oferece ou dá mais, compra o caráter dúbio. Napoleão, a quem admiro pelo gênio e não pela cultura, dizia quanto ao homem comum; “São porcos que se sustentam com ouro, atiro-lhes ouro e os levo onde quero”. Politicamente, sondam-se as possibilidades de uns e outros partidos, desprezam-se os votos recebidos dos amigos e bandeiam-se para aqueles que lhes oferecem lucros e compensações imediatas. E os exemplos aí estão. A personalidade desbota e se desfaz pela ausência de caráter, ”a maior força motriz do mundo”, na expressão de Samuel Salles, o Tempo! Que grande amigo ele é! Mostra-nos a breve ou a longo prazo a face oculta da decadência de valores. Façamos, pois, do caráter o broquel da dignidade humana, para que algum dia nossos filhos possam dizer: nosso Pai foi um Homem!
Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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