CIÚME DOS DEUSES (In memoriam)

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano V, edição nº.252, de 26 a 30 de abril de 1982.




CIÚME DOS DEUSES 
(In memoriam)

NELSON LORENA


Trinta anos se passaram! Parece ter sido ontem! Vivas estão as cicatrizes em minh’alma! Éramos dois. Em busca de uma felicidade suprema, singrávamos num barquinho cor de rosa com os olhos fitos no horizonte verde-mar; oceano calmo, mais parecia um deserto verdejante, nivelado pela brisa da paz e poética solitude. Assim, embalados por festivas manifestações recíprocas de amor, caminhávamos ao encontro do horizonte que nos atraia, velado por uma miragem sedutora. Mas, eis que do lado do poente surgem nuvens escuras, plúmbeas, que se amontoam como paquidermes enfurecidos, escurecendo o mar, o céu, o barquinho cor de rosa. O medo, o pavor do desconhecido, a angústia, se apoderam de minha amiga que se escondia em meus braços, aconchegando-se-me ao colo! As procelárias, alvoroçadas e irrequietas, se levantam querendo alcançar as nuvens que sobre elas descem, como rolos de espesso fumo a comprimi-las. Nosso barquinho torna-se simples brinquedo nas mãos dos elementos turbilhonantes. Os raios cortam a superfície revolta do mar, confundida que estava com o céu. Estávamos feridos. Eu no coração, ela nos olhos, pela visão perdida!...Quanto tempo durou o furor dos deuses? Nem ao certo sei... Vencido pelo cansaço, pelo desânimo, pela dor imensa de nada poder fazer pela minha companheira, maldisse os deuses entre as lágrimas que me escaldavam os olhos. Súbito, um raio desce sobre o frágil batel de nossa existência; desmaiei... E, quando me reanimei, vagando sobre os destroços encontrei-me só. Os céus quizeram-na para si... Num desafio às potestades, bradei: Ó deuses! Não sabeis que a eternidade de um Grande Amor não se destrói, ainda mesmo que deflagres nessa persuasão, ciclópica luta entre o céu e o mar? E eles me responderam: Sabemo-lo, mas os deuses também têm ciúmes.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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