NOVA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano V, edição nº.251, de 19 a 25 de abril de 1982.




NOVA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA

NELSON LORENA


Tínhamos oito anos em 1910. Morávamos em frente à Estação da Central. Já possuíamos o orgulho em saber que nossa histórica Estação era, como nosso Pai dizia, a maior obra arquitetônica do Ramal de São Paulo. Todas as tardes, víamos, reunida na varanda do segundo pavimento, varanda esta sustentada por três ou quatro colunas cilíndricas de ferro, a família do Agente Paula e Silva. Lá estavam o Atanagildo, o José, a Conceição, que mais tarde casou-se com João Xavier e, o Pedro, nosso colega de escola. Pouco tempo durou essa cena rotineira. Por algumas vezes, passageiros tiveram suas cabeças quebradas ao se chocarem com as colunas, muito próximas dos carros de passageiros. Assistimos sua demolição, onde cerâmicas importadas da França eram arrancadas e atiradas à margem do pequeno barranco que separava a rua “do João Pinto” e a Estação. O movimento de trens era intenso; ainda não se ressentia da decadência, que de 50 para cá se instalou, chegando ao estado de abandono e às ruínas que se acentuam. Ignorávamos que já havia um processo de tombamento. Nós, meu filho também, já pensávamos em pedir à fundação Roberto Marinho ou ao Condephaat, o tombamento de tão precioso monumento, marco da grandeza e opulência de uma era, que o café construiu.

Como Cachoeirenses que somos, perto de “vestirmos o pijama de madeira” em nossos oitenta invernos, experimentamos hoje a satisfação de saber do tombamento de nossa Estação, pela ação patriótica de Cunha Bueno e seus auxiliares, através do Conselho de Desenvolvimento do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico e Turístico do Estado. Segundo a Memória Histórica da Central do Brasil, ficamos sabendo que o “Porto da Caxoeira”, seria o ponto terminal da futura Estrada de Ferro que partiria do Rio de Janeiro, conforme decreto de 4 de novembro de 1840, que concedia ao Dr.Thomaz Cochrane o privilégio para sua construção. Este privilégio foi posteriormente anulado. Em 9 de fevereiro de 1855 foi celebrado com Eduardo Price um contrato para a construção do trecho, Rio de Janeiro-Belém, ou seja, a primeira secção. Em 20 de abril de 1858 foi assinado contrato com a firma Robert Harvey e Cia. para o trecho Belém-Rodeio, hoje Paulo de Frontin. As primeiras locomotivas tiveram os nomes: Imperador, Imperatriz, Paulista, Mineira, Fluminense, Brasil Progresso, Indústria. Em 8 de novembro de 1858, foi concluído o trecho Belém-Rodeio. Em 9 de agosto de 1885, Rodeio-Barra do Piraí. A 4ª secção, Barra do Piraí-Cachoeira, empreitou-a Eduardo Price. Em 1871, inauguraram-se as estações de Vargem Alegre, Pinheiro, Volta Redonda e Barra Mansa. Em 1873, Resende, Campo Belo, Engenheiro Passos. Em 1874, Queluz e Lavrinhas. Em 20 de julho de 1875, com a presença de SM Imperador D.Pedro II, inaugurou-se a Estação Provisória de Cachoeira, no lugar conhecido por “Mão Fria”, na margem esquerda do Paraíba. A província de São Paulo já estendia até Cachoeira os trilhos de 1,00m de bitola, onde se encontrariam com os de 1,60m da D.Pedro II, o que aconteceu em 7 de julho de 1877 com a inauguração da ponte férrea da Estação definitiva, hoje tombada, e da Estrada de Ferro D.Pedro II. Os passageiros vieram com passagem da Estação D.Pedro II, no Rio, até Cachoeira, na bitola 1,60m e outra passagem de Cachoeira até a Estação do Norte, em São Paulo, na bitola de 1,00m. Houve estrondosa festa, com as ruas adjacentes à Estação enfeitadas com arcos de flores, povo e música. O serviço de passageiros era feito por um expresso diurno e um noturno. De 1903 em diante, passou a ser feito por um expresso e um rápido, diurnos. Em 1907, a Central transportou vinte e um milhões de passageiros, com acentuado aumento até 1950 quando, com a concorrência dos ônibus, começou a decadência e consequentemente o fechamento de estações deficitárias, assim como ramais e a supressão de trens. Vultos importantes passaram pela nossa Estação, considerada a mais imponente obra de arte do Ramal de São Paulo, tais como: em outubro de 1884, SSMM Imperiais; em novembro deste mesmo ano SSAA Conde D’Eu, sua esposa e seus filhos. Em outubro de 1885, o conselheiro João Alfredo, governador de São Paulo, tocando em sua recepção a Banda Música do Maestro Randolpho, avô do autor destas linhas; em julho de 1886, a grande Sarah Bernardt; em março de 1889, SA Conde D’Eu, Pedro Vicente, presidente da Província, Rodrigues Alves, Barão da Bocaina; em agosto de 1890, Dr.Prudente de Morais, governador do Estado. Em outubro de 1920, SSMM Rei da Bélgica e Senhora, Epitácio Pessoa, presidente do Brasil, Alarico Silveira. Abandonada e esquecida, após um passado de glórias e trabalhos, envelhece a nossa Estação, ameaçada pela ruína, quando pela ação do Condephaat, do dinamismo do Dr.Cunha Bueno, ressurge como patrimônio eterno da Pátria.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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