CRÔNICA DA CIDADE

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano V, edição nº.250, de 12 a 18 de abril de 1982.




CRÔNICA DA CIDADE

NELSON LORENA


Após “longo e tenebroso inverno”, ocasionado pela miopia, incapacidade e falta de amor às coisas de nossa terrinha, “faleceu” por um colapso periférico nossa Academia de Letras. A Arcádia morreu mas as suas colunas permanecem em pé, pois, ainda estão por aí os seus valores intelectuais que se ocultam injustificadamente no comodismo reprovável, desprezando a oportunidade de, pelo nosso Jornal, espalharem a riqueza dos dons intelectuais que possuem. Há muita coisa nas crônicas da cidade que deveriam ser escritas, para que sua fidelidade não fosse adulterada pela tradição. De nossa parte procuramos, num gesto de boa vontade e bairrismo sadio dar o exemplo publicando, sem o colorido das formas mas em nossa linguagem provinciana, coisas interessantes de nossa cidade. Assim é que, na década de 1910, houve no bairro da Limeira uma festinha junina, onde o sabor daquela gente simples, a cana verde, o jongo, o leilão, a fogueira e a cachaça constituíam a alegria do pobre. O capitão do mastro, dias após, aparece na casa do Pascoal Viviani onde o padre fazia suas refeições, patrícios que eram, filhos da bela Itália e lhe entrega o saldo da festinha, dizendo-lhe que o fazia em louvor de Santo Antonio de quem era devoto. O padre sensibilizado, pelo menos assim o parecia, agradeceu muito a oferta em nome da Santa Madre Igreja e de Deus, aos quais iria pedir as bênçãos para tão meritória ação. Beijando as mãos do sacerdote, o velho capitão do mastro, retira-se com a consciência feliz e sua Fé sincera. Aproximando-se a hora do jantar, o pároco chama o Zé Viviani, garoto de dez anos filho do Pascoal, e lhe diz: “Giuseppe, vá a la cantina do Constantino (avô do nosso amigo Waldemar Magalhães) a comprare uma bottiglia de vino chianti per la cena, com o denaro de uma persona stúpida que mi o porteto”. Sujeita a correções, a frase se traduz mais ou menos assim, segundo a tradição: “José vá a venda do Constantino e me compre um garrafa de vinho chianti para o jantar com dinheiro que um trouxa me trouxe”. Não queríamos fugir da crônica; mas a crítica se impõe. Como acontece conosco, nem sempre o que está por baixo do hábito é a mesma coisa que está por fora dele. Mas, vamos continuar, as procissões não passavam pela Rua Alegre, zona de meretrício onde a prostituição e suas vitimas seriam uma afronta a pureza da religião, mas o sacerdote do vinho chianti não possui uma alma prostituída? Poderemos negar a sordidez do seu ato, a ingratidão, o desrespeito à simplicidade e à Fé do velho capitão? As misérias ocultas das alcovas da Rua Alegre não seriam menores que as que se viam e que se vêm a luz meridiana do dia?

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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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