LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano V, edição nº.249, de 05 a 11 de abril de 1982.
É UMA PENA!
NELSON LORENA
Temos a impressão de que nenhum idioma possui tanta riqueza como o nosso. As palavras, em sua grande maioria, possuem variados significados e coloridos que facilitam a manifestação de nossas idéias, o que conseguimos após longo convívio com elas. Possuímos mais de duzentos mil vocábulos e outros são criados na medida em que os conhecimentos humanos se desenvolvem. Para os adolescentes, mui principalmente as crianças da faixa escolar que ainda não conviveram com a riqueza de nossa língua, todas as coisas têm limitado sentido, o que as leva a conclusões esdrúxulas e contraditórias. Conversávamos, há dias, com amigos sobre este assunto. Um deles contou-me que seu garoto lhe perguntara: “Pai, Santos é produtor de alimentos?” “Que eu saiba não; é um dos mais importantes portos do mundo e o primeiro do Brasil.”, respondi-lhe. “Mas porque m’o pergunta?” “Olha pai, o que está escrito neste jornal: Santos vende Feijão e Batata.” Fomos obrigados a esclarecer que Feijão e Batata, eram jogadores de futebol que estavam à venda. Temos um filho estudioso, com oito anos tudo quer saber e obter explicações, sobre coisas que ignora. Perguntou-nos um dia: “Pai, Bingo é alguma coisa como pau ou pedra que se possa jogar em alguém? Veja o que está escrito aqui nesta folha de jornal: Trinta mil pessoas jogaram bingo no Espírito Santo. Isto não é pecado?” Explicamos-lhe que se tratava de um jogo de azar, um dos muitos que o povo usa em tentativas para ser contemplado com a sorte e que se referia, não à terceira pessoa da Santíssima Trindade, mas ao Estado do Brasil. Que a vida é uma luta constante, com o cruzeiro desvalorizado em mais de cem por cento e já sem a sua razão de ser. E o menino, ao ver em minhas mãos uma lata de Mirex, perguntou-me: “Que tem nesta lata, Pai?” Respondemos–lhe que isto é mais uma forma de luta, entre as muitas de nossa vida; se queremos ter laranjas, temos que exterminar as formigas com formicidas, como esta e outras. “Então, Pai, a formiga é um problema para o Senhor, não? Mas eu não estou mais entendendo nada; olhe este recorte do jornal: Serginho é um dos problemas para Formiga! E este outro: Zé Sérgio obriga Formiga mudar seus planos. Então, às vezes, nós é que somos problemas para elas?” Mandamos-lhe que lesse os detalhes e ficaria sabendo que Serginho e Zé Sérgio são jogadores e Formiga é técnico de futebol. Íamos nos retirando para guardar a formicida quando o garoto nos aborda novamente: “Pai, acho que até no Céu há lutas e desentendimento, como aqui em casa mesmo, não? Veja estas noticias: São José arrasa São Paulo; e mais esta: Santa Catarina em luta renhida derrota o Espírito Santo”. Eram noticias Esportivas. É uma pena que esta pureza, esta simplicidade e ingenuidade infantil venha, um dia, a ser envenenada e corrompida por um mundo que se suicida, que se mata, que se destrói. É uma pena!
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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