O QUE “FOI” E O QUE “É”

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano V, edição nº.247, de 22 a 28 de março de 1982.




O QUE “FOI” E O QUE “É”

NELSON LORENA



Todos nós, por maior que seja a nossa crença na imortalidade, na eternidade da vida dos entes que amamos e que partiram, deixamos sempre transparecer em nossas reminiscências a eles referentes, o culto à individualidade. Lamentamos com saudade de aquele ser que nos abraçou, nos afagou, conversou conosco, sorriu, chorou, sofreu, proporcionou conosco momentos de inefáveis alegrias, cuja existência somente nos foi acusada pelos nossos sentidos. Pessoas, respeitáveis espiritualistas como nossos irmãos católicos, espíritas e protestantes referem-se às criaturas que lhes deixaram como alguém que, “foi” mas que não “é”. O ser humano é um composto de atributos palpáveis e impalpáveis, os do corpo somático no aspecto físico e os da mente ou alma, manifestados na cultura e na moral. Uns, atributos perecíveis, outros, atributos imperecíveis e preexistentes à queda do corpo. Quantas vezes havemos dito que o padre Juca foi um santo! O Otoniel foi um grande amigo! O Segesfredo foi um gigante na doutrina que abraçou! Porque não colocamos o verbo no presente? Há um mês, fomos a Lorena assistir o casamento de um sobrinho. O padre, numa alocução dirigida ao futuro marido, disse textualmente: ”O marido deve amar sua esposa como Jesus amou sua Igreja”. Pensamos: Amou sua Igreja, não a ama mais? O Jesus, aquele a quem se referiu, foi o Jesus que morreu na cruz, aquele Jesus de cabelos encaracolados, barba à nazareno, olhos azuis, que chorou no horto, que curou o cego de nascença, o filho de Maria, aquele que “foi”. Não aquele que ressurgiu do túmulo para o Céu, para a eternidade, que nos ampara, que continua a amar sua Igreja, a dos homens de boa vontade, não aquele que “foi”, mas “é”. Há, inegavelmente, uma incoerência de nossa parte quando admitimos e defendemos a preexistência da alma e dos atributos morais nela contidos e colocamos no passado aquilo que religiosamente admitimos no presente. Será uma tarefa árdua, alijarmos de nossos hábitos o culto à individualidade, mas algum dia o conseguiremos com a filosofia de que, enquanto o individuo é perecível a personalidade é imperecível, eterna.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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