COMO SE FAZEM OS HERÓIS



  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano V, edição nº.246, de 15 a 21 de março de 1982.




COMO SE FAZEM OS HERÓIS

NELSON LORENA



Nada melhor para avaliarmos nosso justo valor, dentro do concerto do mundo em que nos agitamos, que contemplarmos o infinito dos céus nas noites estreladas. Nosso pensamento, com uma velocidade jamais superada, vai de sóis a sóis, de constelações a constelações de galáxias, penetra no âmago de sua essência e parece vislumbrar vultos que, como nós, se movimentam vivem amam e talvez, também como nós, sentem as reações naturais às ações mal praticadas. A magnitude da obra do Criador nos confunde, nos deslumbra, ao mesmo tempo em que nos reduz ao mísero vivente que somos, mas todos unidos pelos mesmos laços de uma fraternidade universal, filhos que somos do mesmo Pai que, de braços abertos, nos mostra o Universo – nossa verdadeira Pátria nosso Lar nossa Família. A ignorância, a estreiteza de nosso raciocínio e a vaidade, geraram o sentimento pátrio mensurável, limitado pelos muros dentro dos quais vivemos, sufocando a idéia da existência de um outro irmão, fora desses muros. Luta-se por esse pedacinho de terra que é nossa cidade, nosso Estado, nosso País. Criam-se as dissensões, as lutas de classe, políticas que, muitas vezes, nos conduzem às guerras, ao ódio e às paixões que nos levam ao orgulho de morrermos pela Pátria, quando o espírito do cristianismo é o de vivermos para ela, essa Pátria Maior que é o mundo em que vivemos, sem fronteiras. A História nos demonstra quão efêmeras são as obras e glórias dos que morreram pela Pátria. Que nos resta das conquistas de Cilas, de Alcebíades, de Cipião, de Alexandre, dos Assírios, dos Romanos, de Bonaparte, de Bismarck, obtidas no desamor que nasce na boca dos canhões e na ponta das baionetas? A frase “Dulce et decorum est pro Pátria mori”, atribuída a Horácio, diz bem o conceito estrábico que a humanidade possui do valor da Vida, conceito que perdura até nossos dias. Em nossa longa vivência assistimos à derrocada de famílias inteiras, dizimadas pelo abuso do álcool, de cujos cadáveres obtêm os países, grande parte do dinheiro correspondente aos juros para a amortização de suas dívidas externas. Ontem, um desses heróis de Horácio aportou em nossa casa, desfalecendo na varanda e removido após ao Pronto Socorro. Herói anônimo que, inútil, degradado, degenerado física e moralmente, morre pela Pátria que, erradamente, considera primeiro o Estado, depois o cidadão. Nossa Pátria é a sexta produtora mundial de material bélico. Ascensão esta, conseguida no desespero das viúvas, no prato dos órfãos, dos pais cujas vísceras ficaram grudadas nas paredes, após as explosões costumeiras das fábricas de explosivos. Tudo de bom e de útil, nosso bem estar, nosso conforto, nossa comodidade, na arte na literatura, em toda atividade do lar nasceram com Fídias, na pintura; Anacreonte, na poesia; Safo, nos versos líricos; Homero, na Ilíada e Odisséia; com Gutenberg, na Imprensa; Palissy, na porcelana; Edison, na luz elétrica; Morse e Marconi, nos telégrafos com e sem fios; Graham Bell, no telefone; Pedro e Maria Curie, nos Raios X; Koch, na erradicação da tuberculose; Fleming, no antibiótico e muitos outros, que na calada das noites – naquele silêncio em que Deus trabalha e que ninguém jamais ouviu o rumor de sua forja – viveram por uma Pátria imensurável, prolongando a vida de seus semelhantes, construindo, no Bem, a auréola esplendorosa da imortalidade sob a égide do novo preceito: “Dulce et decorum est pro Patria vivere”.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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