OS AMARGOS FRUTOS DE NOSSA IGNORÂNCIA

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano V, edição nº.243, de 15 a 28 de fevereiro de 1982.




OS AMARGOS FRUTOS DE NOSSA IGNORÂNCIA

NELSON LORENA



Provavelmente, o mesmo acontece com a maioria das pessoas quando, ao despertar pelas manhãs, as coisas que temos a realizar durante o dia, como a educação dos filhos, os problemas rotineiros do lar, do homem, da família, a cultura da prole, constituem para nós a agenda diária. Hoje, mais uma obrigação, além das enunciadas, foi para mim a de um tema para a minha bicentenária crônica para o nosso “O Cachoeirense”. Considero que o Saber, de mãos dadas à bondade de coração, constrói o mundo; é a fonte da maior felicidade. A miséria que assalta a humanidade, particularmente o nosso povo, tem suas raízes na ignorância, e esta perde seu poder à luz da educação cultural, como as aves noturnas se ocultam, à luz do sol que nasce. Nossa pátria, “gigante pela própria natureza”, carrega em seus ombros, qual novo Atlas, trinta milhões de analfabetos, outros trinta de miseráveis mal nutridos e dez de desdentados, frutos da nossa precária educação escolar, onde muitos professores visam mais os lucros financeiros da profissão que o idealismo e nobreza da missão. Que se dizer do barco dessa cultura, da remota possibilidade de atingir o porto, cujo timoneiro que o dirige escreve “consagrassão” e “congratulassão”, assim mesmo com dois SS? Que se falar da reprovação em massa de quarenta e dois mil candidatos ao magistério primário no Estado do Rio, onde somente um foi aprovado? Procurando uma fuga a estas reflexões, cujos problemas resultantes, são para mim insolúveis, no jornal do dia e com grande alegria vi ali em letras maiúsculas: O AUMENTO DA GASOLINA. Ora, pensei eu, é ela a fonte da maior riqueza dos países que a possuem em abundância. Nosso Brasil irá para frente, com as novas fontes descobertas; afoito, procurei ler os detalhes. Fiquei desapontado, decepcionado! Não se tratava do aumento da produção, mas tão somente de seu preço para o consumo! Cento e quatro cruzeiros para o brasileiro e vinte e cinco cruzeiros para a exportação aos nossos “amigos” bilionários, americanos, alemães, holandeses, etc.! Aí que vi como e a que ponto a precariedade do Saber pode levar à ignorância! Fácil foi tirar as conseqüências decorrentes dessa manobra financeira que minha ignorância do assunto não consegue explicar, mas que qualquer inteligência mediana tiraria: os alimentos nas carrocerias, os carretos aumentando em seus preços, os salários diminuindo e com eles o poder aquisitivo e a incompetência administrativa, lançando no descrédito os poderes públicos. Os constantes empréstimos contraídos, aumentando a dívida externa e a situação financeira caminhando pra a insolvência! A nau continua à deriva; não dá pra entender mesmo! Lembro-me que em casa de meus pais não havia água encanada, na ocasião a que me refiro. Havia uma cacimba e um balde amarrado a uma corda, para se colher a água. Houve um tempo, em que durante noites seguidas, batia uma carga de chuva: “Dona Dudú”, disse um dia nossa empregada, Nhá Tereza, à minha mãe: “quanto mais chove mais funda fica a cacimba! Como pode ser isto?” As chuvas da noite, encharcavam a corda que encolhia mais que o aumento da água e nós, talvez até nossos mentores políticos não saibam explicar como, quanto mais aumentam as chuvas de dinheiro, recebidas dos empréstimos obtidos, mais profundo fica o abismo insolúvel de nossas dívidas, estrangulando nas cordas da incapacidade, nosso povo, como a novos Laocoontes.


Nota do Editor:

Laocoonte e seus dois filhos, Antiphantes e Thymbraeus, foram estrangulados por duas serpentes marinhas, um episódio dramático da Guerra de Tróia relatado na Ilíada de Homero e na Eneida de Virgílio. Laocoonte, um sacerdote de Apolo, foi o único que pressentiu o perigo que o cavalo de Tróia representava para a cidade e que protestou contra a ideia de o levar para dentro das muralhas. Segundo a lenda, Poseidon, um deus que favorecia os gregos, enviou então duas serpentes para calar a voz da oposição. O cavalo acabou por ser levado para Tróia, com as consequências trágicas que se conhece.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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