OS CÔMODOS CAMINHOS DA VIDA

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas, escritas entre 1977 e 1990, sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, entre outros. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano V, edição nº.241, de 01 a 07 de fevereiro de 1981.




OS CÔMODOS CAMINHOS DA VIDA

NELSON LORENA



O justo sentido das palavras, como igualmente das coisas, se modifica com o tempo e costumes, amoldando-se as conveniências. O que nos parecia certo, está errado e vice-versa; o que era proibido é permissível; o que era necessário tornou-se supérfluo. Na tentativa de se afastar o fantasma de nosso caos econômico, as bebidas, o fumo e o álcool fontes inesgotáveis de rendas aos cofres dos governos e de degeneração física e moral dos povos, de desnecessários, por nocivos, tornaram-se precisos. A uma conclusão chegamos: a de que o necessário, embora essencialmente supérfluo, é tudo aquilo que justifique erros, desmandos, incapacidade, ofereça lucros próximos ou remotos e se identifique com a moral e caráter de cada individuo. Palmilhamos caminhos errados, mas sempre encontramos razões para justificá-los; já não sabemos onde o certo onde o errado; onde a verdade onde a mentira. O pudor, broquel da dignidade feminina, dilui-se como a nuvem soprada pelo vendaval dos costumes. Dizem que as madonas italianas orgulhavam-se das filhas virgens e chegavam a mostrar aos vizinhos as peças nupciais íntimas, manchadas do sangue comprovante da virgindade. Ontem era sagrada, hoje é violada; há paises em que a virgindade se tornou ridícula e inconfessável. Disse-nos uma prostituta, a quem procurávamos encaminhá-la para uma vida decente: “Negocio meu corpo, que me pertence, que é meu; alugo-o, recebi-o de graça de meus pais; o Evangelho manda dar de graça o que de graça recebemos; não sou tão radical, troco-o por dinheiro”, concluiu. O conceito cínico da frase amoldou a fraqueza moral. O indivíduo temperamental e violento prefere o salmista quando diz: “Derrame sobre seu inimigo a sua indignação; que o ardor de sua ira o alcance e que fique deserta sua casa e que ninguém ali more mais”. A alma afeita ao bem, prefere o “Amai ao que vos persegue e calunia”. O homossexualismo nos parece uma aberração mas, segundo historiadores, a Igreja, em essência, jamais o condenou durante o milênio de sua fundação. O mundo romano, berço do cristianismo, era tolerante com o homossexual segundo lemos: “Dos imperadores romanos, somente Cláudio não era bicha”. (sic) O Papa Julio III, Sócrates, Alcebíades e Santo Agostinho eram homossexuais, por que não podemos ser? Perguntarão os homossexuais justificando sua condição. O primeiro homem, segundo a narrativa mosaica, foi feito macho e fêmea e com a estranha determinação de crescer e multiplicar; como, não sabemos! Conhecemos alguém que, embora nascido e criado num lar que mais se assemelhava a um Templo, pela santidade que o revestia, jamais conseguiu dominar seus sentimentos avaros, seu excessivo apego aos bens terrenos. Essa criatura, certa vez, foi abordada por um andante na rodovia de Canas. Pedia-lhe uma carona em seu carro. As condições miseráveis do andarilho, agravada com o desasseio de suas vestes, o transporte de inconveniente carona, a sobrecarga de gasolina, tudo isso pesou na balança de sua consciência. Entre o “fazer o bem e não olhar a quem” e o ”não cai um fio de cabelo de nossa cabeça sem que Deus o queira”, preferiu o segundo, que mais se ajustava em seu coração: e, dirigindo-se ao viandante, lhe diz: “Deus lhe deu essa provação na vida, para resgate de faltas no passado, e não será eu quem vá de encontro aos desígnios de Deus, por isso, seja resignado e vá cumprindo seu destino”. E assim sofismando, falseando argumentos, acomodando-os ao nosso caráter, às nossas imperfeições, na intenção de justificar erros, imprevidências e desmandos, caminhamos todos, homens, governos, povos, nações.



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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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