LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VI, edição nº.297, de 11 a 15 de abril de 1983.
A ALMA DOS ANIMAIS
NELSON LORENA
O homem passa pela vida amando, sofrendo, lutando e superficialmente observando as coisas e os fatos que o transcorrer da existência lhe mostra. Na maior parte das vezes, tira conclusões tão superficiais como superficiais foram suas observações. Já o cientista, o filósofo e mesmo o homem simples, mas curioso da razão dos fatos, compara-os e, de indagação em indagação, parte para as conclusões apontando suas causas.
Tivemos dois cães, um pastor-alemão e um vira-lata. Passávamos por uma fase de angústias, desespero e saudades. Compúnhamos melodias e letras, vazadas na dor sofrida, ternas, envolvidas em compungente sentimento. Uma delas atraia a atenção do vira-lata que, estivesse onde estivesse, aproximava-se, de mim e de minha filha, quando a cantávamos. Ficava atenciosamente ouvindo e, no momento mais lamentoso do canto, invariavelmente o cãozinho chorava, num ganido uivante de profunda dor. Uma amiga nossa, ao ouvi-la, também chorou. Teriam sido idênticos os sentimentos, as reações psíquicas? Possuiria o vira-lata uma alma como a de nossa amiga?
O pastor-alemão, atacando um cavalo que invadira nosso quintal, recebeu um coice que lhe fraturou a perna. Improvisamos talas de bambu e, com uma faixa larga e comprida, encanamo-la. Imobilizado pela dor e pela dificuldade de locomoção urinou no soalho, coisa que jamais fizera. Repreendemo-lo piedosamente, como a um ser humano o faríamos. Ao ouvir a repreensão suas orelhas, eretas que eram, caíram para trás estampando em suas feições um sentimento muito humano de extrema vergonha, por todos notado. Nos dois casos, constatamos duas atitudes distintas que fugiam aos atributos comuns, à irracionalidade dos animais. A pesquisa científica vem comprovando aquilo que, há muito, a filosofia que esposamos proclama: os animais possuem uma alma. Amam, lutam e sofrem, dão provas de dignidade e vergonha, de sentimento e amor. Vejam os leitores, à guisa de provas, o que os estudiosos da psicologia e psiquiatria animal nos relatam: “uma camela matou-se de vergonha, ao ver-se fecundada por seu filho – coisa que os camelos não admitem. O cameleiro, à falta de outro macho, cobriu a cabeça da fêmea com um pano e trouxe seu filho. Durante a cobertura o pano caiu e o jovem macho, tendo consumado a cobertura, logo depois matou o cameleiro”. Plutarco, historiador e moralista grego, nos conta que um gálata de nome Cantarede, depois de matar Antióquio, rei da Síria, montou no cavalo do morto. O animal, indignado por ser montado por um assassino, jogou-se num precipício morrendo junto com o cavaleiro. Periodicamente, relatamos outros fatos observados pelos cientistas estudiosos da vida animal. Dignidade, sentimento e vergonha, virtudes que escasseiam num mundo onde o sol do Amor empalidece. A vida é uma escola, onde as lições são ferretes de dor e sangue que marcam em nossas almas as verdades eternas.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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