CONTRASTES

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VI, edição nº.296, de 01 a 10 de março de 1983.




CONTRASTES

NELSON LORENA



Vez por outra, folheio as páginas do livro de minha vida. Os idosos têm isso por hábito. Na fuga ao passado, procuram atenuar a dura realidade da marginalização em que vivem, mormente quando lhes falta o tempo para as tertúlias diárias nos bancos da praça. Meu primeiro pensamento ao acordar foi o drama, ou melhor, a tragédia com Clara Nunes. Rememorei sua adolescência humilde, desde operária sonhadora até a carreira gloriosa e, por fim, a derrocada no determinismo fatal do Destino, para quê, involuntariamente, contribuíram os seus médicos. Sim, involuntariamente, digo, porque não posso admitir que algum sentimento menos nobre houvesse influído ou orientado as decisões dos facultativos que, outra coisa não foram senão instrumentos providenciais no imperativo soberano das leis divinas.

Sempre ligado ao passado, único real dos tempos que constituem nossa existência, vejo-me na longa viagem, que não mais se findará, em busca da eternidade. Vejo os pedaços de meu coração, os que me fizeram sofrer, os que me fizeram pecar, os que por mim sofreram, e até os que me fizeram rir e tantos foram...

Resfolegando, a máquina de minha vida caminha na estrada, ora agressiva ora suave, do passado para um futuro imprevisível, mas infalível. As imagens rememorativas sucedem-se, enchendo minh’alma de saudade e tristeza pelas duras realidades do momento. Em meio ao meu devaneio, lembrei-me que meu colega de serviço de outros tempos, o Quincas, querendo amenizar a tristeza da tragédia de Clara Nunes e suas conseqüências, recordou um episódio grotesco da sua vida de moço. Namorava uma moça bonita e culta e, para se corresponder com ela epistolarmente, recorria ao Secretário dos Amantes. Lendo-o, achou uma norma de carta muito amorosa e que falava de Amor, um Amor que começara na Igreja da Lapa. Escreve para a Fausta, assim se chamava a beldade, copiando integralmente a norma, considerando que seu namoro havia também se iniciado na Igreja de Santo Antonio da cidade. Um dia, o “grande amor” morreu, mas a burrice na carta ficou. Meses após, numa das tertúlias costumeiras do Clube União, que aconteciam no salão do Hotel do Pedrico, falava-se sobre o verdadeiro amor, onde cada um dos componentes dava sua opinião. Quando chegou a vez da Fausta, ela levantou-se e, dando ênfase às suas palavras, disse com um leve e mordaz sorriso: “Para mim, o verdadeiro amor é aquele que começa na Igreja da Lapa!” O Quincas, concluindo: “quase morri de vergonha e lamentei o chão não se abrir em baixo de mim para, com cadeira e tudo, eu sumir”.



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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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