LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.308, de 27 de junho a 03 de julho de 1983.
DESABAFO
NELSON LORENA
Possuímos uma filosofia, com conseqüência religiosa, que nos leva a admitir a evolução da inteligência humana através de vidas sucessivas num vai-e-vem constante, assim como a água que do rio evapora e a ele novamente volta. Esta filosofia nos responde as indagações que a meditação de tão interessante questão exige. Acreditamos, porém, que a Terra, errada e torta em seu eixo por natureza, agasalha seres de todos os níveis quanto à mentalidade que possuem. Alguns, parece-nos havê-la pisado pela primeira vez.
Os nativos de Kytchem passam os dias estirados no chão, à espera de ratos para mitigar a fome. Afirmam os cientistas que, em grande parte entre os africanos orientais, não existe ligação moral entre pais e filhos. Os latucas, no interior da África, não conhecem qualquer sentimento de gratidão ou dever. Temos razões para admitir que alguns desses latucas trocaram o ardente sol africano pelo mais ameno do Brasil, ou melhor, de nossa Cachoeira. Submetemos ao julgamento da massa pensante de nossa terra certos fatos, que nos parece ferir o sentimento e a consciência de nosso povo.
Em memória dos que tombaram pela Pátria idealizamos, modelamos e fundimos o Monumento ao Soldado Constitucionalista nesta cidade. Com grande pesar vimos assistindo as mutilações que o monumento vem sofrendo, com condenável desrespeito à memória dos mártires da Lei. Aceitamos o desafio dos opositores do nosso amigo e prefeito Prado Filho negando-nos a possibilidade de fazê-lo, por jamais havermos sido escultor, modelador e fundidor. E, há quarenta e sete anos embeleza a Praça, sem que fossemos pesados aos cofres da Prefeitura. Daí para cá, cinco mutilações lhe foram impostas, independentemente da infalível peça íntima que nossos latucas, em noites de libações comprovadas, colocam na espada do Soldado. Por que lhe falta a vigilância, que sobra nas praças da periferia? Porque os cuidados com os cômodos secundários da casa e o desprezo com a Sala de Visitas?
Cada detalhe do monumento possui seu significado; como um todo, aquele não é senão o símbolo de um fato histórico, local ou pátrio. Os degraus da escada de acesso, representando os pródomos da Idéia já latente, foram mergulhados num espinheiro que nada significa, a não ser a vida espinhosa atual. Outros detalhes, significando a luta em marcha, foram arrancados a marreta; a placa com o nome do autor, que a bondade dos amigos ali colocou, foi à talhadeira tirada; a estrela do brasão e parte do ramo de café constituem as mutilações sofridas. Resta somente a figura do soldado constitucionalista, lembrado num dos raros monumentos do Estado em sua memória, como um desabafo após muitos anos de pesar. Que os responsáveis procurem, pelo trabalho fecundo, viver pela Pátria respeitando o sacrifício e a memória dos que por Ela morreram.
*****
Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
Veja também:
NELSON LORENA – O ARTISTA CACHOEIRENSE
A ARTE DE NELSON LORENA
*****
Nenhum comentário :
Postar um comentário