LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.319, de 12 a 18 de setembro de 1983.
NOSSA CACHOEIRA DO PASSADO
NELSON LORENA
Pediram-nos para escrever algo a respeito de nossa cidade, relativo ao seu passado e à sua origem, muitas vezes deturpados. Temos procurado, quando solicitados, aproximar-nos tanto quanto possível da verdade e do realismo dos fatos, conciliando-os com as circunstâncias, com a lógica, com as pesquisas “in loco”, para que não afirmemos nada que seja falso e nada ocultemos que seja verdadeiro, como nos ensina Cícero.
Seguindo escrupulosamente esta norma, fizemos pesquisas, palmilhamos suas terras e adjacentes. Descobrimos, próximo a foz do rio da Aguada, o marco inicial das duzentas braças de testada doadas por Manoel da Silva Caldas ao Bom Jesus da Cana Verde, em 18 de outubro de 1784; quatro anos após a ereção da capela do Bom Jesus, por Sebastiana de tal. Passados que foram cinco anos, a igrejinha que fora construída com muita fé, mas com parcos recursos, ruiu. Havendo o bispo D.Manoel da Ressurreição autorizado a construção de outra, esta foi benzida em 6 de agosto de 1786, em missa solene acolitada por dois padres de Lorena e rezada pelo Padre Manoel Lescura Bahuer. Há no Museu Maestro Lorena uma tela em que a cerimônia é representada. (Consta que esta capela foi abandonada nos meados do século passado, por ali haver se enforcado um escravo foragido, que dentro dela se homiziara). Vimos uma reprodução de uma tela pintada por Thomas Ender, pintor austríaco que veio em 1817 com a princesa Leopoldina, na qual é retratada a obra, edificada nos terrenos onde se acha atualmente um Centro de Umbanda. Como de hábito, os cemitérios eram construídos nas proximidades das Igrejas e próximo à Igreja do Bom Jesus foi enterrado Silva caldas. Ao se deslocarem terras da colina, para a localização de ruas na Vila Carmem onde se edificariam as casas do BNH, foram achados ossos e até arcadas dentárias, algumas ainda com a polidez do esmalte. As pesquisas nos revelaram que a Igreja tinha vinte e um palmos de largura por quarenta e dois de comprimento, o que de fato observamos pessoalmente quando foram descobertos seus alicerces, por um frade apaixonado pela arqueologia. À falta de um edifício atual que possa comprovar, na Margem Esquerda, o primeiro núcleo populacional da cidade, foram também desprezados os esqueletos retirados pela Prefeitura. Saint Hilaire, que por aqui passou em 21 e 22 de março de 1822, assim descreve: “É difícil ver-se algo mais bonito do que o Porto da Cachoeira. Esta Vila foi construída à beira do Paraíba, sobre o declive de uma colina, no alto da qual fica a Igreja... Esta passagem (a do Paraíba) nada tem de difícil. Fizemos uma balsa ajoujada que foi, de canoas... oito burros carregados e várias pessoas podem atravessar na mesma viagem.” A travessia deveria ser feita, com o desembarque na parte sólida da margem, talvez onde se acham as instalações da antiga cerâmica. E daí, rompendo a mata que ali existia, despontava na atual Rua Rocha Junior, cuja forma irregular nos faz lembrar os caminhos antigos. Em 1913, o Grupo Escolar, único da cidade, fez a festa da árvore no meio da mata ainda existente no local referido, em uma clareira ali aberta. Geralmente, as ruas mal traçadas de uma cidade são os antigos caminhos pisados pelos primitivos habitantes. Assim é que, para que se encurtasse a caminhada para Queluz havia necessidade de novo caminho, que viria a ser, mais tarde, a Rua Bernardino de Campos e a atual Rua São Miguel, que demanda ao cemitério, era o caminho para Queluz, e, possivelmente, ali deveria ser a ermida benzida em 1817. Onde é a residência dos descendentes de José Rodrigues do Prado, era o rancho das tropas (segundo depoimento de meu pai), em sua residência transformado. Havia pescadores em ambas as margens, como nos fala Monsenhor Machado e, nessas ermidas repousavam a sua Fé em Santo Antonio. Iniciada a Estrada de Ferro D.Pedro II, em 1858 e sendo Cachoeira o ponto terminal, um clarão de esperanças novas iluminou a senda do progresso na Vila que progredia rapidamente. Os “pobres pescadores”, como dizia Mons.Machado, e outros moradores reclamavam uma igreja para suas orações. Em 1862, Ana Ortiz, devota de Santo Antonio custeou a construção de uma capela de madeira, mas coberta de telhas. Acentuou-se o progresso da margem direita, decaindo o surto da margem esquerda que, nem por isso perdeu a condição inconteste de núcleo fundamental da cidade. Pretendemos com nosso arrazoado haver respondido e atendido ao pedido que nos foi feito, louvando-nos em pesquisas pessoais no extraordinário trabalho de Agostinho Ramos. É digno dos maiores elogios o ingente esforço deste nosso amigo, filho de outras terras, que procurou demonstrar sua gratidão perpetuando na história a vida da cidade em que viveu, amou e sofreu.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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A ARTE DE NELSON LORENA
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