LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.318, de 05 a 11 de setembro de 1983.
O SETE DE SETEMBRO DE HOJE
NELSON LORENA
Foi nosso hóspede um amigo, de Barra Mansa, ontem aqui chegado. Em visita ao Museu Lorena, ficou impressionado com a tela em que apresentamos S.A.R., o Príncipe D.Pedro e sua comitiva, quando de passagem pelo Morro Vermelho. Quis ele ver o local e conhecer alguns trabalhos nossos, que a cidade generosamente aceitou e, hoje então, passeamos pelo Morro Vermelho. Antes de historiarmos os fatos, vimos o estado de penúria e desconforto extremo dos seus moradores, gente pobre, pacífica e conformada, sofrendo sem revolta ou exacerbados queixumes, as dores que lhes ensombram a alma, esquecendo-as por vezes quando as recordações de um passado feliz lhes amortece as mágoas do presente, como também acontece a todo o povo brasileiro. Lembrando da festiva data de Sete de Setembro, contamos a pedido do nosso hóspede a razão da tela, quando na tarde de dezoito de agosto de 1822, o Príncipe e sua comitiva fizeram refeição numa estalagem sita no Rancho dos Moreiras, donde seguiram para Lorena. (Parece-nos haver qualquer ligação entre os Moreiras do Rancho e os Moreiras nossos contemporâneos como, Chico, Ciano e Teófilo, Moreiras também, e que se estabeleceram no mesmo local, com o mesmo sobrenome que por nascimento jamais o possuíram). Em nossa narrativa, recuando no tempo, figuramos aquela estrada, a Estrada Nova da Corte, rasgada pelas patas das tropas que demandavam das Gerais com cargas de fumo e retornavam com sal para a Corte, com ranchos para descanso das tropas, o canto dos pássaros, o grito cortante e agourento das suindaras rasgando o silêncio das noites, e, hoje ladeada de casebres de barro e bambus, cobertas de sapé, onde a miséria e o sofrimento fizeram morada. Nosso amigo queria saber mais sobre a vida aventureira do Príncipe, segundo diziam, mais movimentada mesmo que o seu envolvimento nas manobras políticas que o enredava José Bonifácio. Contei-lhe, então, da sua decepção no baile que lhe foi oferecido em Pindamonhangaba, ao qual os nobres não deixaram suas filhas irem. Queixou-se Sua Alteza, assim dizem, que “nunca viu mais mulher feia que em Pindamonhangaba”! “Si non é vero é bene trovato”. Dia 25 entrou o Príncipe em São Paulo com sua escolta de dragões, quando encontrou Domitila numa cadeirinha carregada por dois escravos. Curiosa, a moça paulista afastou a cortina para ver os soldados. D.Pedro não perdeu a oportunidade para fazer seus galanteios e, descendo do cavalo, ofereceu-se. “Que descansem os pobres escravos. Eu e meus companheiros levaremos a cadeirinha de Vossa Mercê”. Pernoitou na residência de João de Castro Canto Melo, pai de Domitila, persuadindo-o a morar no Rio de Janeiro com toda a família. Na cabeça de Sua Alteza fervia uma luta entre suas conquistas amorosas e a política opressiva da Corte de Lisboa. Minas e São Paulo, unidas pela fixação do Príncipe no Brasil e na sua independência, intimavam o rompimento político. É José Bonifácio a alma e o cérebro da emancipação. É quem redige o manifesto aconselhando Sua Alteza a proclamar imediatamente a Independência. Despacha Paulo Bregaro, o correio, com estas palavras: “Si não arrebentar uma dúzia de cavalos no caminho, nunca mais será correio; veja o que faz”. Alcança este, a 7 de Setembro, Sua Alteza e comitiva, às margens do Riacho Ipiranga e D.Pedro solta o brado que os sucessos haviam preparado: “É tempo... Independência ou Morte... estamos separados de Portugal”. Cento e sessenta anos após, a miragem da independência foge à nossa frente; deixando atrás a fome, a miséria, a subserviência, a crise de caráter, a corrupção e outros males a um país insolvente e desmoralizado, o que é uma pena!
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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