LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.317, de 29 de agosto a 04 de setembro de 1983.
OS FRUTOS DA INCÚRIA
NELSON LORENA
É sabido de todos, que há mais de cem anos nossos irmãos do Nordeste vêm passando fome, miséria, sofrimento verdadeiramente dantesco. As televisões nos trouxeram imagens impressionantes de crianças esquálidas, carentes de tudo, esqueléticas, vítimas da desídia, da impiedade, da indiferença dos poderes públicos quanto ao destino que a “indústria da seca” teima em impor às infelizes. Mais de dezoito milhões de hectares recebem entre 250 e 500 mm de chuva por ano, havendo regiões onde não chove há cinco anos.
Nestes últimos anos, mais de quatrocentos bilhões de cruzeiros foram ”gastos” para atenuar os problemas do Nordeste. As verbas se sucedem e os problemas se eternizam. Problemas que vêm desde o Império, firmando a triste imagem de um povo sofrido. Em 1879, dizia o Imperador: “Venderei a última jóia da coroa para que nenhum nordestino morra mais de fome.” Em 1958, o saudoso Juscelino Kubstichek exclamava: “Diante desse quadro faz-se mister, com imperioso dever de humildade e patriotismo, convocar a Nação inteira para uma luta sem tréguas, que nos permita libertar definitivamente esses milhões de brasileiros entregues ao mais atroz dos destinos.”
Em 1970, dizia o presidente Médici: “Vim ver a seca e vi o sofrimento e a miséria de sempre”. Nada em toda a minha vida me chocou tanto e tanto me fez emocionar e desafiar a minha vontade. Não me conformo, isto não pode continuar”. É preciso que se diga que houve alguém que o aconselhasse a que não viesse ver. E como todos os outros, perdeu o desafio. Em abril de 1970, noticiava a Imprensa: “O governo federal vai pôr em funcionamento um plano de emergência abrindo frentes de trabalho para aliviar a situação.”
As jóias da coroa estão no Museu de Petrópolis, como as promessas sobrevindas no olvido, sufocadas nas gargantas. Vergonhosa mancha para a imagem de um País, este rico pobre, que atravessa os mares e nos deprime. Enquanto Israel e outros países ampliam sua condição de vida em terras férteis, nosso Brasil faz do sertão agreste o túmulo de nossas crianças! Quem sabe, se poderíamos transferir essa população exposta à miséria para outras regiões onde chovesse em abundância, onde também o sorriso gostoso dessas coisinhas belas que são as crianças viesse abafar o clamor angustiante da fome, quem sabe? É evidente que o deslocamento se impõe. Há uma intranqüilidade geral. Intranqüilidade gerada como conseqüência de erros administrativos, que levaram nossa Pátria à insolvência de uma dívida de cem bilhões de dólares, ou seja, apenas “sessenta e cinco trilhões de cruzeiros, inflação de 150%, um Ceará onde em cada mil crianças, duzentas e cinqüenta morrem de fome num horizonte sombrio e desesperançoso.” Nosso João é um forte! Não é qualquer coração, qualquer coronária ou sigmóide aórtico, que agüenta essa situação. Felizmente, ele voltou pregando o diálogo e o consenso com bom senso, prometendo “restabelecer ao país a tranqüilidade de que seu povo tanto merece.” Desejamo-la, mas duvidamos. As coisas estão tão ruins que, mexer no time agora substituindo os incapazes, talvez seja medida que não dê certo. O melhor é mesmo deixar como está para ver como fica.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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