O IDEALISTA FRACASSADO

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.300, de 01 a 08 de maio de 1983.




O IDEALISTA FRACASSADO

NELSON LORENA



O ideal, como a ambição, é uma força que move o homem. Desde o mais culto ao mais inculto, todos são impulsionados por um ideal qualquer. Em nossa trajetória pela vida sempre pensamos em coisas que, realizadas, pudessem dar-nos o prazer de viver, de justificar o lugar ocupado na sociedade. E, quanto sofremos quando a meta sonhada nos foge como sombra, sempre à nossa frente sem que consigamos alcançá-la, às vezes por nossa culpa outras por culpa dos outros, qual suplício de Tântalo a lhe escapar das mãos o fruto de seus desejos. Personalizando a odisséia do idealista fracassado, reportamo-nos ao verdor dos anos quando pensávamos em ser um professor, mestre, seguir a carreira que Jesus escolheu ao proclamar: “Eu sou a porta”, sim, abrir a porta pela qual passariam todas as gradações culturais de nossa gente, desde o mais simples até o mais sábio dos homens. Mas, conforme o adágio popular, “quem nasceu pra lagartixa não chega a jacaré”, abandonei os estudos. Como funcionário, nunca fui dono do lugar que hierarquicamente me competia; cioso de minha dignidade e amor próprio, herança paterna, jamais abaixei a cabeça para que me pusessem a coleira da bajulação, condição muito comum aos degraus da ascensão. Compositor inato, desde os doze anos de idade, minhas composições foram esquecidas; como pintor, as paredes dos “críticos cultores da arte” não aceitam a mediocridade provinciana de minha arte. Como escultor, o mais tolerável dos meus trabalhos está jogado, aos pedaços, no porão de minha casa, no esquecimento dos poderes públicos, o monumento a São Cristóvão. Como cronista, minhas crônicas, simples e sem atrativos, são aceitas e inseridas nas páginas do único jornal da cidade, talvez porque a inocência dos temas se coadunem com a simplicidade do jornal. Coloco música em meus versos, para atenuar a pobreza do lirismo que possuem. Idealizei projeto de planificação da Praça Major Lombardi, tornando-a accessível ao público; casas para a Vila Carmem, no governo Prado Filho; uma imagem de Santo Antonio com catorze metros de altura a ser colocada no alto da Caixa d’água; pista dupla na rua Maestro Lorena; passagem sob a linha férrea em continuação à rua do Mercado, antes que mais mortes aconteçam. Instituição Filantrópica; maquete para um lago com ilhas e atrações várias no terreno frontal à Quadra Coberta; tudo graciosamente, por amor à terra da Sebastiana de tal, e minha também, tudo em uma luta radicada num bairrismo sadio, num idealismo mal compreendido e, por isso mesmo, nada realizado. Sinto que jamais meus olhos verão meu idealismo concretizado. Meu desabafo ao fim da jornada, quando o viandante já está exausto pelas desilusões sofridas, é a confissão do idealista fracassado. Confissão esta que, feita a um dos filhos, ouvi dele isto: “Pois é véio! Acho que se você montar uma fábrica de toucas, começa a nascer criança sem cabeça!”


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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