UMA VISÃO PREMONITÓRIA

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.301, de 09 a 15 de maio de 1983.




UMA VISÃO PREMONITÓRIA

NELSON LORENA



Há muitos fatos atribuídos ao sobrenatural mas, que na realidade são frutos do medo ou da crendice. Quando meninos, éramos tímidos e impressionáveis e, quase todas as noites, nos reuníamos com os colegas da mesma idade. O assunto era sempre, assombrações e fatos ou coisas do sobrenatural como, mula sem cabeça, porca com sete porquinhos, entre outros. Certa noite, voltando para casa após uma sessão de cinema, a lua abrandava com sua claridade a Rua do Moinho, hoje Sete de Setembro, dando-nos ânimo para atravessá-la, pois, diziam que o Moinho era assombrado. Quando atravessávamos a ponte, outrora rústica, vimos um vulto espadanando na água. Era uma mula. Via o corpo à luz da lua, mas a sombra de uma árvore no barranco, não deixava ver a cabeça. Corremos desesperadamente, havíamos visto a mula sem cabeça. Na noite seguinte, no ensaio da Banda de Música de meu pai, contava o fato a outro menino que já tocava na banda, quando o Joce, o patriarca da cidade com seus 96 anos, disse que era ele quem estava lavando o seu cavalo. Assim criam-se as lendas e as crendices e que a observação acurada desfaz. Mas há fatos, para os quais não achamos explicações, tidos como sobrenaturais, que nos levam à impressão de que o Tempo é uma ilusão. Conta o jornalista, contista, teatrólogo, escritor Raimundo Magalhães Junior que, em seus dezesseis anos, viajava pelo sertão do Piauí a cavalo indo para a fazenda de seu avô, quando teve uma visão. Viu-se ele, com mais idade, diante de um casebre em cuja janela estava uma preta, de braços cruzados, com o queixo neles apoiado. Dando a volta à casa, encontrou um poço protegido com bordas de tijolos, o que não é comum naquela região. Numa trave sustentada por duas forquilhas, havia um balde preso a uma corda. Nove anos após, já como jornalista, foi a João Ribeiro no interior de Minas Gerais, entrevistar a “Santa de Coqueiros”, como repórter que era do jornal “A Noite”. Quando lá chegou, dirigiu-se a um casebre onde havia uma mulher preta, jovem, na janela com os braços cruzados e o queixo apoiado neles. Perguntou-lhe: “Sabe onde mora a Manuelina?” “É aqui mesmo, sou eu.”, respondeu-lhe. Sentiu um arrepio, porque a antiga visão lhe voltou à memória, com a mesma roupa, o mesmo chapéu, de há nove anos passados. Quis o Raimundo tirar a prova, dizendo: sou do jornal “A Noite” e vim entrevistá-la, mas, primeiro quero beber água do poço do lado da casa. Os olhos da preta se arregalaram, porque o poço não era visível pelo lado que ele chegara. “Como sabe desse poço, já esteve aqui?”, perguntou-lhe Manuelina. Respondeu-lhe que sim. Deu a volta à casa, tirou o balde da forquilha, afundou-o no poço e bebeu lhe a água. Suas mãos tremiam e para certificar-se da realidade, molhou a roupa. Antevira o fato de há nove anos! Sabe você leitor, explicar isso? Confesso que, possivelmente, não sei. Os grandes planos das grandes empresas, feitos por engenheiros e arquitetos trazem em si, toda a estrutura da obra a ser realizada. Será que Deus também, na extraordinária estrutura de sua obra, como Supremo Arquiteto do Universo, não traz também seus planos para a Magna Empresa que realiza e permite aos humanos que alguém em determinado momento veja detalhes que, no tempo a longo prazo, venha a ser realizado? “Qui lo sa?” Não resta dúvida de que foi uma visão premonitória. Se, às vezes, durante o sono temos sonhos que se realizam, por que não podemos sonhar acordados?


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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