LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.329, de 21 a 27 de novembro de 1983.
BAIRRISMO SADIO
NELSON LORENA
Os fatos comparados nos levam, quase sempre, a conclusões certas. Observamos que as criaturas da chamada “quarta idade” dormem pouco. Pelo menos, isso se dá comigo. A madrugada sempre me encontra acordado. E nessa condição, o que fizemos, o que deixamos de fazer, as recordações, variadas que são, nos retêm ao leito enquanto o pensamento em vôos ligeiros procura nos cálices das flores emurchecidas do passado os resquícios das lágrimas derramadas outrora, o frescor das alegrias que adornaram nossos feitos, o bairrismo sadio com o qual cooperamos para fazer nossa terra um reduto respeitável, na arte como na música, no teatro, nos esportes, na arquitetura, em todo o Vale. Hoje, divagando sempre, me recuei dois séculos no tempo e no espaço. Em pensamento, atravessei a picada em cuja margem havia um rancho de tropas que demandavam a Queluz, rancho que mais tarde o velho Zeca Prado transformou em casa de morada. Segui o caminho anteriormente fechado pelo conde de Sarzedas, por causa do contrabando de ouro das Gerais e prostrei-me justamente no lugar, à margem do Paraíba, de onde o pintor austríaco Thomaz Ender, em 1817, pintou a primeira igreja construída, em 1785, em substituição à capela origem da cidade, construída por Sebastiana de Tal pouco acima da atual Rua Campos Sales. O meu bairrismo nasceu aí, assim me pareceu. Tudo era poético, melancólico e silencioso. Apenas se ouvia o rumor das vagas do rio ao encontro das carcaças das numerosas canoas na margem quebrando o silêncio, este silêncio em que Deus fez o mundo e que ninguém jamais ouviu o rumor de sua forja. Jamais encontrei um lugar no mundo em que vivo, melhor para terminar meus dias da vida presente. Ruas tortas, calçadas quebradas e mal cuidadas, lampiões e globos danificados, praça central mal traçada, canteiros de terra batida sem grama, uma ridícula torre de ferro a tomar espaço inútil e inexplicável, é assim mesmo que eu a adoro, como os pais amam seu filho feio. Este desacerbado bairrismo me leva a não compreender como certos filhos da cidade desestimulam as iniciativas próprias, que fizeram respeitável nossa Cachoeira de outrora, buscando fora daqui aquilo que é mais caro e pior, quando possuímos mais barato e melhor! Cultivemos este bairrismo construtivo para que em cada canto, cada esquina, cada rua, haja um pedaço de nosso coração, que dirá: Ontem passei pela rua que em noite de lua/ minhas mãos enlaçadas nas tuas/ fazíamos ternas juras de amor/ cada porta cada janela/ qualquer detalhe contava uma estória/ revivi em recordações/ cheias de saudade prenhe de emoções .../ um passado de felicidades/ que na esteira do tempo passou/ É perfume que na eternidade/ sempre o sentimos jamais se evolou/ quando a noite chegou de mansinho/ roguei a Deus por ti numa prece/ e um milagre logo aconteceu:/ senti teu rostinho bem juntinho ao meu./ Sejamos alguém que não nasceu somente para ser mais um, mas para ser útil e, assim, Viver.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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