LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.328, de 14 a 20 de novembro de 1983.
O QUE A VIDA ENSINA
NELSON LORENA
Em minha adolescência, tinha por hábito colecionar os melhores pensamentos e provérbios que, todos os dias, retirava do bloco das Folhinhas. Um deles, ainda me recordo, dizia: “É excelente coisa rir sempre. A palha que faz cócegas colabora em nossa felicidade”. Outro, atribuído a Tolstoi: “Onde existe um homem vagabundo há outro homem morrendo de fome”. Longe estava de pensar que, algum dia, o riso e o trabalho recomendados nos pensamentos pudessem exercer alguma influência em minha vida. O valor do trabalho, como complemento da felicidade, é fácil compreender, mas o riso... Durante muitos anos fiquei sem atinar como o riso poderia colaborar para a felicidade de alguém. Notava, porém, que meu extraordinário Pai era um homem feliz e recebia com indiferentismo os golpes que a adversidade lhe dava. Não parecia senti-los. A adversidade jamais conseguira ultrapassar as muralhas de seu caráter, como mais tarde me dissera. Sua alegria e seu bom humor eram contagiantes e se espalhavam como fogo em um rastilho de pólvora. Nos intervalos dos ensaios da sua Banda de Música, suas pilhérias enchiam de sadia alegria nossos corações, que vibravam ao som das suas músicas. Quando eu sentia alguma contrariedade, gerada no convívio com colegas de profissão, atravessava a cerca divisória de meu quintal com o dele e ia ouvir suas anedotas e sentir o calor de um homem alegre. Um dia, em que eu exaltava sua fortaleza ante os abrolhos cortantes de sua vida, disse-me ele: Meu filho, herdei de minha mãe o gênio alegre e pilhérico que lhe deu uma longa vida feliz. Ensinou-me ela, sorrir ante o fracasso e espalhar humor onde havia tristezas. As leituras de Blanco Ibanês, Reclus, Samuel Smiles, Marden, consolidaram minha filosofia de vida. Marden dizia que o riso é o apanágio do homem. Influi primeiro nos pulmões, no fígado, no diafragma, depois faz vibrar os órgãos internos, originando uma sensação agradável, como correr a cavalo nos prados. Licurgo, continuou, o célebre legislador de Esparta, mandou colocar o Deus do Riso no refeitório dos Espartanos. Diante da figura jovial estampada na face de um homem “moço, de meio século de idade”, compreendi por que as cócegas da palha colaboram em nossa felicidade. Já moço, construí um lar e, no pórtico de nossos corações a divisa: “O riso é o apanágio da alma”. Durou anos. E os anos corriam céleres, como corça espavorida ante incêndio devastador. Até que um dia...
Nós, eu e meus filhos, passamos a atravessar uma fase de desespero e lamentações e desapareceu a inscrição no pórtico de nossos corações. Nem mesmo a filosofia otimista de meu pai conseguia romper a crista dura e amarga de nossa alma. A ociosidade agrava nosso estado de ânimo. “Onde há um vagabundo, há um outro homem morrendo de fome”. Lancei-me desesperadamente ao trabalho. Na calada das noites, mergulhando nas meditações e no descanso que o trabalho penoso exige, sentia o recrudescimento das desesperanças. Por outro lado, sentia no trabalho um refrigério para o meu coração. Sobreveio a estafa, mas era preciso continuar. Inspirado, multipliquei as atividades notando que nem mentalmente nos fatigamos, quando passamos de um trabalho para outro, alternando-os. Sem me cansar, agito-me ordinariamente dez a doze horas diárias, numa amalgama de aulas, pintura, escultura, desenho, jornalismo, enxada e lavoura. Voltou novamente ao meu coração a frase de Marden lembrada por meu pai. Isto constitui uma experiência que podemos aconselhar àqueles que, em idênticas condições às que passamos, almejam o direito de serem felizes.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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