”IN MEDIO STAT VIRTUS”

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.335, de 09 a 15 de janeiro de 1984.




”IN MEDIO STAT VIRTUS”

NELSON LORENA



Houve certa ocasião, em Belo Horizonte se não me falha a memória, um fato que muito me emocionou. No Jardim Zoológico, no recinto destinado às lontras, uma criança mal vigiada caiu acidentalmente. Um grupo de lontras avança para a criança, cujos gritos despertaram a atenção de um oficial militar que, percebendo o perigo livra-se da túnica e se atira à água conseguindo salvar a criança, expondo-se à fúria carnívora desses animais, o que lhe provoca a morte. Nesse trágico acidente, entre dores acerbas e desesperos incontidos, destacam-se duas componentes da personalidade humana: uma que, raras vezes, evolve do âmago do ser, vem à tona e outra, que são os vícios de nossa formação, como a imprevidência, o desleixo, a indiferença à segurança pública e à violência. Essa, do âmago do ser, que falamos, eclode como uma centelha dos “eus” que habitam em nós, como um meio termo entre a violência e o relaxamento eqüidistante aos extremos, chama-se Virtude. Foi essa partícula divina que impulsionou o militar ao altruísmo e ao Amor a uma vida inocente, com o sacrifício da própria vida. Medidas acauteladoras foram tomadas para evitar desastres iguais, como de praxe é mesmo comum às nossas administrações prevenir uma desgraça possível, depois de acontecida outra. Um pai procurou-me em outubro pp. para expor o desespero de que se achava apoderado pelo ato impensado e condenável de seu filho, ao depredar o monumento da nossa Praça principal. Envergonhado, pediu-me para repará-lo com brevidade, pois, o espetáculo deprimente do atentado era como um punhal a ferir o seu coração de pai infeliz. Confessei-lhe que fiquei indignado e cheguei a desejar contra o criminoso todo o rigor da Lei, pela destruição de um trabalho que fiz com grande dedicação. Declarou-me ele que iria custear toda a despesa de restauração e que para isso abreviaria a venda de sua casinha. Prometi-lhe recuperá-lo e abreviar, conforme pedira, o trabalho. Vendeu a casa e assim depositou a importância relativa ao prejuízo causado pelo filho. Em poucos dias, modifiquei meu juízo acerca do criminoso. O ato do filho foi a melhor contribuição que alguém poderia dar para a recuperação do Monumento. Desde junho de 1969, vem ele se desfazendo nas mãos de uma matula de desocupados e também por negligência, descaso e desatenção às providencias solicitadas aos responsáveis por sua conservação. A destruição vinha sendo lenta e progressiva. Nenhuma medida foi tomada para a restauração dos detalhes danificados, anteriormente ao caso em foco, que culminou com a depredação da figura principal. A violência foi útil, necessária e oportuna. Se houvesse a impossibilidade pecuniária do pai do rapaz em ressarcir o prejuízo, imprevisível seria o prazo para sua recuperação. Uma virtude ressaltou-se daí, também: a excelência de um coração de pai amantíssimo, pronto a perdoar e lutar pela sobrevivência e futuro de um filho, desse alguém que a Providência escolheu para despertar em outros o senso da responsabilidade. Sua bondade e generosidade levou-o a custear, não somente os erros do filho, mas também os erros dos filhos de outros pais, impunes ao arrancamento de placas, estrelas e ramos do brasão. Analisando a fundo o problema, cheguei à conclusão de que esse Pai é um grande Benemérito da Cidade, merecia uma placa numa esquina com o seu nome. Existem tantas, de vidas anônimas!... Mas, graças ao filho, escolhido por força do destino e ao Pai Benemérito, aí temos o nosso Soldado na Praça, como em 07 de setembro de 1936.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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