LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.331, de 12 a 18 de dezembro de 1983.
A MESINHA QUE ANDOU SOZINHA
Crônica da Cidade
Crônica da Cidade
NELSON LORENA
Podemos afirmar que a maior parte das coisas, com reflexo na evolução dos seres da Criação se reveste de dificuldades, cujas compensações, mais tarde, vêm com as benesses dos frutos da boa intenção com que foram originadas.
Desde o feto que se humaniza até o embrião que rompe a semente há sempre uma dificuldade a ser vencida. A luta valoriza a conquista. A Mãe sorri, após a dor de dar ao mundo um filho. O ferro sofre ao fogo, antes de tornar-se útil. O solo é rasgado, para que dele tudo saia para a nossa sobrevivência. Parece-nos uma lei, da qual ninguém se furtará. As religiões assim se fizeram. O Coliseu de Vespasiano, os mártires cristãos, Savanarola, João Huss, ainda estão redivivos à luz do Calvário, às chamas das fogueiras. Os neo-espiritualistas, se destas últimas escaparam, não conseguiram sair incólumes do escárnio, da zombaria, da crítica mendaz que lhes foi atirada, nas suas primeiras manifestações de sobrevivência do espírito. Já no início do presente século todos sabíamos que, segundo a doutrina da Igreja “Mater et Magistra”, na ocasião da morte a alma separa-se do corpo e persiste na sua existência própria e, na verdade, não só dotada da faculdade de sentir, pensar e querer. Uma substância assim é mais que imaterial, é espiritual, é Espírito. Havia em nossa Cachoeira, na época da Bocaina, segundo nosso amigo jornalista e poeta Ovídio de Castro, um grupo de pessoas pensantes, entre elas: Paula e Silva, agente da Estação; Chico Fortes, tabelião; João Batista, professor; Domingos Ribeiro, negociante; Balduino, funcionário público; que conseguiu um livro, que ensinava comunicar-se com o mundo invisível de várias maneiras, entre as quais, por meio de uma mesinha redonda, de três pés. Raciocinando, se a alma pensa, quer e sente e, assim, persiste fora do corpo que a agasalhou, deve pensar nos entes queridos que aqui deixou; se sabe querer, deve querer comunicar-se com eles; se quer, por que não o faz? Trata-se de um justo desejo, que Deus, certamente, não lhe negará. Assim foi a conclusão do Chico Fortes e do Paula e Silva; os outros achavam que se o Homem morreu, acabou-se tudo. Resolveram fazer uma experiência, uns para comprovar, outros, para negar a possibilidade do intercâmbio. Escolheram a casa do Capitão Joaquim Pinto para o “divertimento” e delegaram ao Chico Fortes para dirigir a sessão. Por duas noites houve fracasso, nenhum espírito respondeu à invocação. Chico Fortes resolveu animar as sessões, valendo-se de sua veia moleque e humorística e a mesinha passou a responder a todas as perguntas. O “presidente” Chico Fortes levantava com o pé, sem que alguém o percebesse, a mesinha que dava as pancadas conforme as perguntas feitas. Aproximando-se o Natal, foram os trabalhos suspensos e um presépio foi feito, devoção que era da família. Enquanto isso o Padre Ronsini, do púlpito, esbravejava: “Morreu, vai pro céu, inferno ou purgatório: fora disto o Demônio”. Passado o Natal, Chico Fortes propôs a continuação das sessões, mesmo com o presépio armado. Houve protestos, era preciso respeitar a família e a religião, faz não faz, e a discussão assim continuava quando a mesinha, esquecida num canto da sala, subitamente, dá sinal de vida saltitando num pé, sai correndo pelo salão até o presépio e ali se recostou. Os presentes ficaram mudos e assustados, Chico Fortes coçou o cavanhaque, um menino correu gritando pela rua e alguns dos presentes empalideceram. Diz a crônica que nunca mais incomodaram a mesinha. Uma família vizinha continuou as reuniões, com objetivos mais nobres e cristãos e com mais eficácia. E assim, como a simples queda de uma maçã nos deu a lei da gravidade, o "toc-toc" dos pés de uma mesinha provou que a alma possui mesmo, como diz a Igreja, existência própria e, pelo menos esta, não foi para o céu, inferno ou o purgatório, do Padre Antonio Ronsini.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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