LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.323, de 10 a 16 de outubro de 1983.
O IMPORTANTE É SORRIR
NELSON LORENA
Há vários dias passados conversávamos, eu e um sobrinho amigo, quando fomos interrompidos por um mendigo que nos pedia uma esmola. Contrafeito, não pude atendê-lo no momento, de bolso vazio que estava. Desculpei-me, e o pedinte esboçando um sorriso, despediu-se dizendo: “O importante é sorrir”. Achei interessante a filosofia daquele homem simples, de estomago vazio e cabeça farta de saber. Uma criatura, comumente revoltada contra o destino, calca aos pés um sentimento de que deveria estar possuída! Dia seguinte, achei-o na calçada lateral do Banespa e dei-lhe pequena espórtula. Quis conhecê-lo melhor e aprender algo que viesse fortificar ainda mais, igual conceito que tenho sobre a vida. O mendigo filósofo me disse tanta coisa sobre o valor intrínseco do sorriso numa alma aflita e do valor extrínseco no campo social, abundando sempre em elevados conceitos cristãos. Um filósofo! Foi uma manhã notável, aquela em que conversei com um Homem vivo. Hoje, conversei igualmente com um Homem morto. Sim, com meu velho amigo Zequinha Prado, aquele mesmo que, candidatando-se à Prefeitura tivera de mim o compromisso lhe dar o voto o que, fielmente, Graças a Deus cumpri, embora sofrendo inimizades e desatenções por injustas dívidas à minha lealdade. Lamentávamos, eu e o Zequinha, o estado em que os poderes públicos, em várias épocas, deixaram o Monumento ao Soldado, na Praça de seu nome. Rememorei-lhe que, sem prejuízos de minha profissão como ferroviário, lutei durante quatorze meses para realizar aquilo que os seus adversários políticos diziam, não seria feito. Movido pelo amor próprio ferido, improvisei-me em modelador e fundidor e, há quarenta e sete anos, o monumento embelezou a praça, até ontem, quando todas as mutilações sofridas nestes últimos vinte anos atingiram o máximo de uma iconoclastia ousada e estúpida. Mutilações, onde cada detalhe representava o movimento e a idéia que culminou em 9 de julho de 1932. Soterrados os degraus, continuaram as depredações, como o arrancamento da estrela do brasão e seus detalhes, como as folhas e os ramos de café, omissas que foram as medidas, embora reclamadas, para que isto não acontecesse. Como um grito no deserto, vimos reclamando desde junho de 1969, há quatorze anos portanto, quando moços em despedida da vida de solteiro, na calada da noite dependuraram peças íntimas na espada do soldado! Um desrespeito à memória dos que tombaram pela Lei. Ontem, pessoas irresponsáveis, possivelmente estimuladas por tóxicos, aproveitaram-se do silêncio e abandono da Praça, normalmente sem vigia e arrancaram o braço e a espada do soldado. De todas as mutilações sofridas, esta foi a de maior efeito moral negativo para mim. Não se explica a falta de vigilância de uma praça central, quando sobra nas praças isoladas da periferia. Tudo venho fazendo e lutando para que a posteridade não possa, algum dia, dizer a meu respeito. “Não honrou a terra que o viu nascer e cobre; um inútil, um homem comum”. Orgulho, vaidade? Talvez. Rezemos para que a recuperação do monumento não nos seja impossível. Perguntei, em pensamento, ao amigo morto: “Na impossibilidade, o que faremos?” E ele, esboçando um sorriso que nos lembrou o mendigo: “O importante é sorrir”.
*****
Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
Veja também:
NELSON LORENA – O ARTISTA CACHOEIRENSE
A ARTE DE NELSON LORENA
*****
Nenhum comentário :
Postar um comentário