LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.377, de 12 a 18 de novembro de 1984.
A AGONIA DE NOSSA ESTAÇÃO
NELSON LORENA
Manuseávamos o livro “Cachoeira Paulista” do inesquecível amigo Prof. Agostinho Ramos, à procura de conhecimentos e dados que nos interessavam, quando nos deparamos com referências à nossa Estação Ferroviária, em sua fase de apogeu e glória. Ali nos detivemos, tal a avalanche de fatos e coisas relacionadas com a mais importante obra de arte do ramal de São Paulo.
“1884 – É notável o edifício da estação ferroviária da Estrada de Ferro D.Pedro II, que passa por ser a primeira como obra de arte do Ramal de São Paulo. É ponto terminal dessa Estrada e da E.F. São Paulo - Rio de Janeiro.” O fato de estarmos há um século dessa notícia nos levou a comparar a vida dessa monumental obra de arte à de muitos seres humanos, mesclada de ascensão e decadência, de prazer e dor, risos e lágrimas, ilusões e decepções. Parodiando Bonaparte em sua campanha do Egito, poderíamos dizer: “Cachoeirenses! Do alto dessas seteiras e ameias, pelo descaso e desrespeito que devotamos às coisas das velhas tradições, um século vos contempla.” Grandes festividades assinalaram a inauguração da ponte férrea da Estação e do ponto terminal da E.F.D.Pedro II, em Cachoeira. A Banda de música do maestro Randolpho Lorena, avô do autor destas linhas, tocou nas festividades. Quatro trens diários, dois para o Rio e dois para S.Paulo, faziam esse percurso em cinco horas e meia. O passeio nos horários dos trens, nos anos que se sucederam, era o lazer obrigatório dos moços, nesta vila pobre de diversões. O movimento de carga e descarga era enorme. Florescia vertiginosamente a vila, sob o influxo do tráfego ferroviário, com reflexo no comércio que se concentrava na rua da Estação, atualmente, Rua Mal. Deodoro. A rua Alegre, que ia do Hotel Lobão até a atual rodoviária, era o “Bas Fond”, o “Low Life”, a Boca do Lixo da vila, com protestos das famílias das ruas adjacentes, inclusive da em que moravam meus avós paternos, em cuja residência, confundida por um guarda-freios como casa do meretrício, lhe bate à porta. Minha avó, abre a janela e pergunta-lhe o que quer. “Você tem trato pra hoje?”, pergunta o guarda-freios. “Seu cachorro atrevido, aqui é casa de família... Randolpho, corre aqui..., grita minha avó”. E o guarda-freios, descendo lépido a ladeira, “Discórpe Dona, eu não sabia...”. Nos horários dos trens, havia até disputas entre carregadores interessados na posse das bagagens, que degeneravam em acidentes. Um garoto da família Braga, convalescente de uma pneumonia pediu aos pais, como primeiro passeio após a enfermidade, para ir passear na Estação. E, assim o fez na hora da entrada do Rápido Paulista. No corre-corre e atropelos do povo, passageiros e carregadores, deram-lhe um esbarrão atirando-o no leito da linha, onde teve morte instantânea. Festas, bailes, recepções, visitas de altas personagens do Império, tais foram as glórias de uma velha Estação que agoniza.
A alma de nossa Estação, tal como a das pessoas de longa vivência, guarda no refolho das recordações páginas jocosas que nos fazem rir, outras, que nos fazem chorar, que nos honram, que nos decepcionam e, nessa mescla ou amálgama de alegrias, tristezas, sucessos, revezes e virtual abandono, está a nossa velha Estação!
Abandonada por aqueles, compromissados pela sua conservação após o seu demagógico Tombamento, aguarda entre ruínas e abandono, numa agonia confrangedora, uma providência enérgica junto ao Condephat ou, se possível, a transferência de seu patrimônio para a Fundação Roberto Marinho...
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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