CHOQUE DE RETORNO, O BUMERANGUE DA VIDA

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.377, de 05 a 11 de novembro de 1984.




CHOQUE DE RETORNO, O BUMERANGUE DA VIDA

NELSON LORENA



Uma canção nossa, como todas, inspirada na saudade diz assim: “Recordando o passado que não volta jamais, sinto-me angustiado e profunda tristeza aumenta os meus ais...” Sentimos um prazer indefinível no retorno ao passado. Não compreendemos as razões que nos levam a preferir os fatos que, psicologicamente gravados em nossas células mentais nos ferem, nos enternecem, nos machucam. Pedimos à nossa filha um tema para a crônica semanal. Sugeriu-nos ela qualquer coisa, alguma lembrança não triste, do pretérito, mas que pudesse conter uma lição de moral.

Nos quase quarenta anos de nossa vida funcional, no pequeno mundo do escritório da Central, verificamos alegrias e decepções, maldades e cavilações, como as que nos mostram o mundo maior em que atualmente vivemos. No exercício de nossa profissão, sempre amparamos e defendemos companheiros quando humilhados, prejudicados ou ofendidos, não tanto por bondade de coração, mas pelo choque de retorno que, como um bumerangue pudesse voltar contra nós, por indiferença que mostrássemos. Para quem não sabe, o bumerangue é uma “arma de arremesso” fabricada pelos nativos da Austrália. É feito de madeira duríssima e compõe-se de uma lâmina de cinqüenta a noventa centímetros de comprimento, curva em sua maior extensão e que, quando arremessada, descreve no ar uma curva voltando ao ponto de partida.

Lembramo-nos que certa ocasião um operário das Oficinas precisava de um documento, com a posse do qual conseguiria uma promoção junto aos seus padrinhos na diretoria. Dirigiu-se ao Encarregado do Ponto, o funcionário indicado para atendê-lo, do qual recebeu uma negativa formal, sem uma razão que a justificasse. O operário então nos procurou, narrando o fato. Sendo justa a pretensão do rapaz, conseguimos escamotear o documento pretendido e, quinze dias após, saia a promoção desejada, com desapontamento e despeito do encarregado. Agora sim, ganhando mais poderia morar no Rio, o que conseguiu três meses depois. Mas, o bumerangue funcionou, pois, o funcionário ao redigir o memorando de apresentação para a repartição destinatária, enganou-se na referência 22 do removido, mencionando-a como 23, entregando-o ao portador em envelope fechado. Dois anos depois, retorna ao trabalho em Cachoeira, o operário, e ao entregar ao ainda Encarregado do Ponto do Pessoal a sua apresentação, este espantado o interpela: “Ô, Zé do Evaristo! Você é 22 e não 23. Eu leio os boletins todos os dias e sei que você não foi promovido depois que saiu daqui!” “Eu não sei”, responde o Zé. “Desde que fui daqui eu tenho recebido como 23.” Supondo uma provável adulteração do memorando por parte do removido, efetuam-se as apurações do fato, concluindo-se pelo engano do Encarregado do Ponto que, sem querer, promoveu aquele a quem queria prejudicar. Se comprovado à Chefia, o erro e a negligência do Encarregado, este é quem teria de repor aos cofres da Central a quantia excedente recebida pelo operário. E tudo terminou, como quase tudo neste Brasil, em “deixar como está para ver como é que fica”. Todo mal lançado tem seu choque de retorno, qual o bumerangue que volta ao ponto de partida. Somente o Amor caminha sem retorno, sempre em frente, confundindo-se na Essência Divina.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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