LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.380, de 26 de novembro a 02 de dezembro de 1984.
A CIDADE SONHOU
NELSON LORENA
A cidade amanheceu em um sonho! E por que não poderia? Todos sonham..., o homem, a coletividade, o mundo. Levada pelas asas de Morfeu, quis ela ver de perto a beleza harmônica de suas linhas, com uma vaidade natural de moça bonita que em suave langor se porta ante o espelho.
De fato, era agora bem mais atraente e bem mais bela, que há dois séculos. Descortinava-se aos seus olhos um conjunto grandioso de oitocentas casas, nas proximidades da ponte de concreto da variante de Cruzeiro, onde uma população de quatro mil almas se constituía em mais um braço na busca do progresso. A fábrica de garrafas térmicas, em franca ascensão, a orgulhava. Mais adiante, oitocentas criaturas repousavam de suas lutas diárias em casas populares no bairro do Pitéu. E, a cidade sonhadora, agora já nos braços de Morfeu, entrando na Avenida Cel. Domiciano, se deslumbra ante a majestade da estátua do padroeiro Santo Antonio, abençoando-a do alto de seus quatorze metros de altura. “Foi construída” no alto do cemitério, justamente no vértice formado pelo prolongamento da Avenida Cel. Domiciano e Bernardino de Campos, a maior do Vale! Em um vôo do pensamento, atravessa a pista dupla da Avenida Maestro Lorena, em cujo canteiro central ergue-se a herma do Maestro, tendo inscritos em seu pedestal os nomes das setenta composições do mais fecundo compositor musical amador do Vale do Paraíba. Divisando a Avenida Sarah Kubitscheck, extasia-se ante o obelisco comemorativo do sesquicentenário da Independência (logicamente, política) do Brasil. Visita, como não poderia deixar de ser, a fábrica de tecidos, quando grande número de operários para ela se dirigia. Orgulhosa de si mesma, depois de visitar a fábrica de leite em pó, dirigia-se para o ponto em que teve início a sua existência, a capela do Bom Jesus da Cana Verde, quando foi desperta pelo estridente apito das oficinas do Depósito de Máquinas da Central do Brasil. E, acordando de um belo sonho, depara com a dura e triste realidade a cidade que sonha de mais e realiza de menos.
Grande parte dos seus fracassos é justificável. Não tivera, em seus propósitos, o respaldo do bairrismo sadio que empurra o progresso para o alto e, a sede de lucros imediatos esmagou o débil desejo de progresso. Mas, para o cachoeirense, bairrista por dever e obrigação, justas lhe são as críticas, quanto ao recuo ao primeiro obstáculo encontrado. Nós mesmos, fizemos e guardamos inúmeros projetos e desenhos, nascidos sob a falsa aparência do mais nobre idealismo dos interessados. São documentos e atestados, comprobatórios da volubilidade, da fragilidade, da tibieza e inconsistência dos ideais de onde promanaram, o que é lamentável. É uma característica da velhice, geralmente esclerosada, contar uma estória duas ou mais vezes à mesma pessoa... Havia um papagaio, inocente, mas puro em suas atitudes. Assistindo certo dia a luta de um pobre coitado, tentando apagar as chamas do incêndio que se alastrava em sua choupana, resolveu ajudá-lo. Voando várias vezes até uma fonte próxima, encharcava o corpo e as penas maiores na água e, sobre o incêndio, sacudia as asas espargindo-lhe os borrifos. Fez isso por tantas vezes, até debelar-se o fogo, com a alegria do “louro” convicto da ação decisiva do seu trabalho. Senhores do Legislativo e do Executivo, como o papagaio da estória estamos dispostos a cooperar, embora precária a energia que nos resta, para que nossas iniciativas não passem de abstrações mas, se convertam em fatos palpáveis e concretos, para que a cidade de Sebastiana de tal, não mais sonhe em vão.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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