A ALMA DA CIDADE

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.405, de 24 a 30 de junho de 1985.




A ALMA DA CIDADE

NELSON LORENA



O passado é a história que em recuo nos transporta e nos fala das alegrias e das dores que nos fazem rir e chorar, eleva as nossas esperanças, revive nossas quedas e as noções das contingências naturais do plano em que vivem, homens, gentes, povos e nações. Falíveis como somos, caminhamos, alguns em passos seguros e certos, outros, inseguros e incertos, por alternativas que, um dia, o determinismo fatalista nos apontará o mundo feliz que nos espera. Deus fez o homem para ser feliz! As quedas que nos compungem são lições e experiências que amealhamos, complementos de nossa felicidade na sucessão infinita das vidas que nos esperam. Nossa Cachoeira possui em si mesma todos os aspectos contraditórios e paradoxais da vida humana, como se uma só alma a animasse, e aí, também o progresso e a decadência se confundem e a alma coletiva do povo, sofre. Pediram-nos para escrever algo sobre a Estação Ferroviária da Central do Brasil, em nossa cidade. Essa monumental obra de arte agoniza e apodrece diante dos olhares indiferentes e a complacência exagerada dos responsáveis pela sua recuperação; até a caiação demagógica e parcial da sua fachada foi lavada pelo tempo. Há cento e dez anos, inaugurou-se a estação provisória no local conhecido como Mão Fria, com a presença de SM D.Pedro II e seus ministros. E já a estação definitiva se achava iniciada na margem direita, no ponto terminal do ramal de S.Paulo, onde se uniria à ferrovia S.Paulo-Rio. Em 7 de julho de 1877 inauguraram-se, a ponte sobre o Paraíba, a Estação e o Ramal. Ponte e Estação constituíram-se dois verdadeiros monumentos da nossa engenharia, arte e solidez. Na revolução de 32 a ponte, dinamitada, resistiu como um ciclope ferido, à insensatez dos que só sabem lutar pelos seus ideais sacrificando vidas inocentes. Mas, não resiste ao abandono a que a legaram, sendo corroída pela ferrugem.

Estes portentos da engenharia pátria foram construídos sob a direção do Engenheiro Dr.Newton Bennaton, entre 1874 e 1877. Possui a estação, três torreões, sendo o do centro de três andares. Seu comprimento é de 190 metros por 17 metros de largura ou, aproximadamente, 3.200 m² de área, a maior do Ramal de São Paulo. Intenso era o movimento, de trens, passageiros, cargas e bagagens. Faziam-se aí, composições e recomposições de trens. Pelos seus salões passaram vultos da aristocracia do Império e da República. Participamos, como músico da Banda de nosso pai, na recepção a SM Alberto I da Bélgica, o Rei herói. Fizemos estes derradeiros informes em reposta ao ofício 302/69 de Dona Édila, quando Prefeita, interessada que estava no Tombamento da Estação, e na hipótese de consegui-lo. Sugerimos-lhe o aproveitamento do torreão central para museus, exposições permanentes de pintura, artesanatos, esculturas e folclóricas. É de se ver, a maravilhosa paisagem que se descortina do último andar desse torreão para a ponte do Paraíba. Chora a Alma da Cidade, que sofre por querer fazer sem poder, enquanto os que podem e devem fazer, nada fazem.


*****


Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


Veja também:


NELSON LORENA – O ARTISTA CACHOEIRENSE


A ARTE DE NELSON LORENA



*****

Nenhum comentário :