LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.363, de 06 a 12 de agosto de 1984.
ENTRE DOIS MUNDOS
NELSON LORENA
Muitos de nós, durante a vida amealhamos casos e fatos que às vezes desprezamos, mas que se submetidos a análises cuidadosas levam a conclusões que satisfazem nosso espírito indagativo. Durante muitos anos de nossa vida presenciamos diversos casos de doentes em Coma, muitas breves, longas algumas. A ciência nos ensina que, no último estágio do Coma o doente não responde a qualquer estimulo exterior, mergulhado que está em inconsciência profunda. Os anais da Medicina apontam casos de Coma de até oito anos. Assistíamos a uma doente já em estado de Coma há seis meses, aproximadamente; sem condições para responder a mensagens faladas e nem a estímulos reflexos. Alguém comentava suas qualidades como perfeita, correta e eficiente funcionária, cujo senso de responsabilidade levava, às vezes até, a brigar com colegas irresponsáveis quando, rompendo o silêncio de longos meses, falou ela, pausadamente: “Mas com você nunca briguei”, como se quisesse dizer, “só com os irresponsáveis”. Qual seria a força que teria conseguido cessar, por instantes, o processo comatoso da enferma?
Um amigo, meu melhor amigo, visitava todos os dias no hospital um octogenário doente, numa demonstração de carinho e piedade cristã. O reconhecimento do velho era retratado na alegria com que o recebia e na gratidão manifestada. Possuía o doente uma filha, que periodicamente o visitava: “Como está papai? Tudo bem? Nada lhe falta?” Ouvia a resposta e se retirava com certa indiferença. Numa das visitas diárias, o amigo notou o agravamento do enfermo. No dia seguinte encontrou o doente em Coma, pulso filiforme e taquicardíaco, olhos fechados e sem falar. Não ficou abandonado, pois, seu amigo ali ficou aguardando sozinho no quarto, o desenlace. Quatro horas depois chegou a filha, a quem o amigo avisou o próximo fim do pai. Debruçou ela sobre o velho, forçando-o a responder às suas perguntas, mas nada conseguia. Somente quando falou-lhe na presença ali do amigo, ele arrastando as palavras, querendo talvez mostrar-lhe gratidão, disse à filha: “Um... Amigão; Um...amigão”, e respirou pela última vez.
Uma notícia recente traz-nos o fato de uma menina de 12 anos de idade, chamada Ariana, de San Diego, na Califórnia, que foi submetida a uma operação do coração, onde a constatação de um “sopro cardíaco” exigiu a cirurgia, da qual não se recuperou. Há oito meses em Coma, os médicos sugeriram aos pais desligar a aparelhagem de suporte, para que a menina pudesse morrer em paz. Um mês depois, Ariana continuava viva, pesando quinze quilos, recusando-se a morrer. Durante as orações noturnas, ouviu-se a sua voz: “Quem vai cuidar de meus pais depois que eu morrer?” Naquela mesma noite, enquanto banhava a filha, a mãe de Ariana lhe disse ao ouvido: “Não se preocupe conosco. Eu e seu pai vamos cuidar um do outro depois que você morrer. Você tem o nosso consentimento para partir, agora mesmo se quiser.” Uma lágrima atravessou o rosto de Ariana e ela expirou. A semelhança entre fatos, que periodicamente se reproduzem, trazem em si razões que nos excitam a curiosidade quanto às suas causas. Para nós, particularmente, nos três fatos citados parece-nos que a Virtude, as qualidades morais do ser humano, permanecem incólumes como atributo do Espírito à deterioração do corpo. Manifesta-se quando as circunstâncias o exigem para, depois, como pássaro liberto, ascender aos páramos da Vida Eterna.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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