UM HOMEM DE BEM

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.370, de 17 a 23 de setembro de 1984.




UM HOMEM DE BEM

NELSON LORENA



O homem vale pelo seu trabalho, com reflexo nas obras que realiza, na sua conduta, no seu caráter, no lar que edifica, na família que constrói. Raramente seu valor nasce de um berço dourado mas, muitas vezes os nascimentos humildes glorificam uma existência. Nas palhas de uma manjedoura, nasceu Jesus. Quero falar de Jocelino José Bittencourt, nosso Joce, nosso Matusalém. Figura estimada e muito popular, ontem sepultada. Quero nesta simples homenagem dizer-lhe o quanto me é licito, não somente como amigo mas, também como um dever, dados nossos quarenta anos de convívio na arte que abraçamos, músicos que fomos da Corporação Musical XV de Novembro dirigida por meu Pai, o Maestro Lorena. Joce possuía delicado sentimento que se revelava nas músicas que executava, ao som de seu mavioso trombone. Tocávamos nas sessões do Cinema e, ao término delas, quando saíamos à rua o silêncio da vida noturna de nossa pacata cidade era quebrado com as serenatas das valsas tocadas por ele. Isto se havia tornado uma rotina.

Esse contubérnio diário estreitou os laços de uma afeição fraternal e duradoura cujo rompimento, agora, machuca, fere e magoa. Na ocasião a que nos referimos, a Banda XV de Novembro era composta de músicos capazes e competentes que liam as composições dificílimas do Maestro Lorena. Certa vez, durante uma alvorada, um dos músicos propôs ao meu Pai que a Banda improvisasse um dobrado. A introdução e a primeira parte, o piston faria; a segunda parte, o Maestro; a passagem para o trio, o Joce e o trio de pistões. Dadas as tonalidades executou-se, embora enfrentando a timidez de alguns, o improvisado dobrado, com sucesso. Foi para todos nós um feito do qual nos orgulhamos, fazendo aquilo que hoje não há banda que o faça. Éramos uma família unida pela arte, hoje dispersa pelo tempo. Vinte e dois marcos. Derrubados já foram vinte, dois, ainda resistem ao silvar lamentoso e gélido do Tempo, prenunciando na velhice o seu fim. Houve na história eclesiástica alguém que costumava dizer: “Foi conduzindo porcos que aprendi a conduzir os homens”. Um paralelo se faz necessário, também Jocelino José Bittencourt, o nosso Joce, foi na sua profissão modesta de carroceiro, no labor honesto e nobre que soube formar um lar, construir uma família de inegáveis valores morais, angariar amigos, fazer-se respeitado, conceituar-se como Homem e proclamar, não de maneira pejorativa como o papa Sixto V, mas, como um exemplo: “Foi do meu burro e dos varais de minha carroça que edifiquei uma geração digna e granjeei o respeito, a piedade e o Amor da multidão que me levou ao túmulo”.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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