UM PREITO DE SAUDADE

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.390, de 18 de fevereiro a 03 de março de 1985.




UM PREITO DE SAUDADE

NELSON LORENA



Cientificamente, não sei explicar porque os velhos dormem pouco. Parece normal, o fato de as pessoas idosas dormirem menos que as jovens. Constantemente surpreendia meu saudoso Pai acordado de madrugada e, quase sempre, lendo livros de sua predileção. Hoje, já mergulhado nessa fase gerontológica, satisfaço-me habitualmente com cinco a seis horas de sono. Nesse estado todo indivíduo, assim suponho, costuma ter seu pensamento voltado às coisas que dizem respeito aos fatos, obrigações e deveres realizados ou a realizar e, muito principalmente, a reminiscências das criaturas amigas, que o precederam na “longa viagem” para o túmulo. Isso acontece comigo quando, no silêncio da madrugada me desperta o ruído dos caminhões leiteiros que passam. Hoje, 23 de fevereiro, ao despertar às 4 horas lembrei-me de alguém que ficava em suas horas de insônia, segundo me contava, a recordar centenas de amigos e conhecidos já mergulhados no “sono eterno”. E, foi justamente nesta hora de minha insônia que, na madrugada de 23 de fevereiro de 1979, desencarnava nosso saudoso amigo, professor Agostinho Ramos. Minha consciência seria o meu mais severo juiz, se olvidasse ou silenciasse pelo que pudesse dizer a seu respeito. É o que faço agora, lembrando seu grande valor como pai, como amigo, como intelectual de raro valor, orador inato. Recordo-me ainda de seu trabalho na Academia de Letras de São Paulo, onde após falar de improviso durante uma hora e dez, foi aplaudido de pé pelos seus correligionários. Noitada inesquecível e que, nos enchendo de entusiasmo, conseguimos com que o tema ali desenvolvido, “A letra através dos tempos”, fosse reprisado em Nova Iguaçu, no Centro Espírita Irmã Scheila. Ali esteve ele e jamais, como me confessou, teve uma recepção tão fraterna em toda a sua vida, tais os carinhos e as atenções recebidas. Foi incrível como Agostinho, após meses de sua palestra em São Paulo, repetiu de improviso sem qualquer anotação, sem perder qualquer detalhe, tudo quanto falara na Academia. Aplaudido calorosamente pelos assistentes, interessou-se por um retrato de Irmã Scheila, alemã morta entre os escombros do bombardeio de Berlim, feito em completa escuridão por um médium do grupo e ali exposto. Tão emocionado ficou com a acolhida que compôs os versos do "Hino a Irmã Scheila”, e que eu musiquei. Este, o amigo e irmão a quem recorro nas horas em que a inspiração me foge. Viveu e morreu como católico que era e, sem quebra de seus princípios e de sua crença, soube ser amigo e irmão, filho de um nosso mesmo Pai. Retorna mais uma vez Agostinho, o mundo precisa de você.


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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