LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.
O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº.420, de 30 de setembro a 06 de outubro de 1985.
A PORTA BANDEIRA
NELSON LORENA
É impressionante como as imagens espalhadas dos fatos tornam-se tão reais no espelho rememorativo das recordações, particularmente quando somos surpreendidos pelo desfecho inesperado da morte ao levar um ente que amamos. Levadas que foram nas asas do tempo, retornam as imagens, vivas, intensas, quase reais. Não sabemos por que, mas o sentimos. Passamos, há poucos dias, por uma situação dessas. Eram as festas anuais, nas quais a cidade mergulhava num banho de luzes, cores, músicas, danças, alegrias sem fim. Uma multidão se apinhava pelas calçadas e adjacências, na espera ansiosa pelo desfile carnavalesco.
As imagens, de todos os anos, se sucediam com algumas variações nos integrantes, somente era a mesma a Porta Bandeira, empunhando o estandarte vermelho com uma estrela no meio, pintado por nós e, por nossa mãe, bordado. Envaidecíamos, por isso mesmo, ao ver as curvas graciosas do estandarte coroando o ar frio da noite, pelas mãos da bela Porta Bandeira.
Os processos fundamentais da memória, tais como a fixação e a recordação, de comum deterioração na senilidade em que nos situamos, nos transportaram à alvorada da década de 30, num milagre de rejuvenescimento. Era Carnaval! O povo se aglomerava nas calçadas acompanhando o desfilar álacre e vivaz do préstito que demandava à Praça, onde penetrou debaixo de palmas e de ovação geral. O tema era “Uma noite no Oriente”. Jamais havíamos visto nossa Porta Bandeira, tão ricamente vestida, secundada por odaliscas, bailarinas e bailarinos em movimentos harmoniosos que se entrosavam entre músicas e cantos. A bela princesa indiana, cortejada por um rajá vestido de seda, com rico turbante a emoldurar-lhe a cabeça, rodopiava no ar seu estandarte vermelho, com os requebros do corpo gracioso. Era a Índia milenar, seus mistérios, seus sonhos e suas alegrias, personificados na graça e na elegância de seu porte. A massa delirava e as serpentinas atiradas envolviam seu corpo, que ficou imobilizado como uma vespa prateada nas teias de uma aranha. Por alguns instantes, as palmas estrugiram enquanto os mordomos do rajá a libertavam da incômoda armadura de serpentinas. E, novamente a festa continuou...
Nas folhas mortas do passado, dispersas pelo sopro fatal do Tempo, nossos olhos não mais voltaram a ver a Porta Bandeira. Devotada ao lar como esposa e mãe, mais de meio século se passou, num amálgama de risos e lágrimas, prazeres e dores, anseios e desilusões. A sabíamos enferma, necessitando de tratamento. Internada, a visitamos. Uma hora da madrugada de 25, tilintou o telefone... A Porta Bandeira havia falecido.
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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.
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