A CALÚNIA

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje, publicada originalmente em "A Notícia", foi postumamente republicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano XV, edição nº.694, de 01 a 15 de janeiro de 1992.



A CALÚNIA

NELSON LORENA


Dentre os muitos defeitos que a alma humana alimenta, é talvez a calúnia, o mais preferido, por trazer muitíssimas vezes em seu bojo a compensação imediata àquele que dela faz uso. Ela se agasalha onde, do Amor, só existem cinzas. É o felino friorento, aconchegando-se à lã do cordeiro sacrificado. Incompatível com a Verdade, tem empanzinado o estômago daqueles que, falseando-a, não têm ânimo para lutar lealmente e fazem dela profissão cômoda, recurso de ascensão. Segundo o apóstolo Paulo, o pecado nasceu com Adão. Forçoso é, pois, crer-se a calúnia, tão antiga quanto o homem, como desdobramento que é, do pecado original. Caim, por inveja, matou Abel mas, é possível que houvesse lançado mão da calúnia, para pretender justificar seu crime. É ela, a antítese da Verdade. É Meleto e Sócrates, Belial e Jesus, Crescente e Justino de Neápolis, São Cirilo e Hipatia. Desde as priscas eras, esforçam-se por abafar com a calúnia àqueles que, em grandiosos exemplos de fraternidade, amor ao próximo e desprendimento, pretendem transmitir aos que não os possuem, aquilo que já conseguiram para si, a felicidade a paz de espírito e a calma, em meio a miséria moral e os dias angustiosos quais os vividos pela humanidade. Ainda e sempre, a fragilidade da língua humana que, tanto louva como calunia. Indivíduos há que, só se sentem bem com a felicidade própria e, movidos pela inveja chegam ao extremo da calúnia e da perfídia, desde que para isso seja necessário destruir a felicidade de outrem. Entristecem-se, quando a alma de um irmão transborda de alegria e paz e o riso lhe aflora aos lábios, mormente quando sístoles e diástoles apressadas pelo sofrimento, pelo falso testemunho, pelos erros cometidos, pela velhice que lhe anuncia próximo o ajuste de contas, trazem por essas e outras razões o seu coração, dorido e sua alma, compungida. Maldade. Maldade sim, muito humana, coerente com os sentimentos daqueles que, de cristãos, só têm o verniz da tradição. Que empunhem a espada da calúnia os que formaram o seu caráter, o seu patrimônio moral, no epicurismo do século. Admite-se que haja correlação entre a árvore e o fruto, mas que o façam os que se insurgem como arautos do Evangelho, não se compreende. Assim, descremos da sinceridade dessa gente e nossos corações de cristãos sinceros, se entristecem por compreender quão maleável é a língua a serviço da calúnia, a soldo do estômago. E, como o converso da estrada de Damasco, dizemos: “Se tendes amarga inveja, não mintas contra a Verdade”, e mais, “É vã a religião daquele que, cuidando ser religioso, não refreia a sua língua”. Amemos os homens e suas coisas, mas, antes deles e acima deles, a Verdade, ainda que para isso seja preciso arrostar com os ódios do mundo, já que não existem fogueiras. (de “A Notícia”)


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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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