OS CARNAVAIS DE OUTRORA EM CACHOEIRA PAULISTA

  LITERATURA DE NELSON LORENA
Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Valeparaibana de Letras.




O acervo literário de Nelson Lorena compreende cerca de quatrocentas crônicas sobre história, ciências, crítica, política, filosofia, religião e temas do cotidiano, escritas entre 1977 e 1990. A matéria de hoje foi originalmente publicada em “A Tribuna” no início da década de 70 e republicada postumamente no Jornal “O Cachoeirense” Ano XIX, edição nº.785, de 04 a 15 de fevereiro de 1996.


OS CARNAVAIS DE OUTRORA EM CACHOEIRA PAULISTA

NELSON LORENA


A primeira notícia que conhecemos sobre o nosso carnaval data de 1879, quando A.Cacarro, segundo jornais da época, encabeça as festividades de Momo despertando a mocidade da terra para a maior das festas populares do Brasil. Segundo as “Memórias” de meu Pai, eram os Vieirinhas Borges, os Moreira Formiga, os Lombas, os Moreira, os Fortes, José Estreito, todos portugueses, que reunindo entusiasmo, prestígio e poder financeiro, estimulavam estas festividades com carros alegóricos, músicas, bailes, contratando no Rio de Janeiro, moças, figurantes e atraentes, para embelezamento dos préstitos nos fins do século passado. Em 1893, nosso carnaval sofreu as conseqüências da revolta contra o Floriano, pois, durante os festejos foi ordenado o recrutamento e houve uma debandada dos rapazes pelos morros do Severino e da Igreja, pondo fim às festividades. Nos princípios deste século, nas bisnagas nos limões de cheiro, na farinha de trigo, nas fantasias, nas máscaras, residia o nosso carnaval; os rapazes se reuniam num casarão na descida da Matriz de Santo Antonio, ali vestiam suas fantasias e invadiam as casas de familiares com a costumeira pergunta: “Você me conhece?”. Era assim o carnaval, até 1920. Na década de 1920/1930, Cachoeira viveu o maior esplendor de seu carnaval. Confetes, serpentinas, lança-perfumes, consistiram nossos artifícios durante o reinado de Momo. Operários do 8º Depósito da Central fundaram a Sociedade “Quem fala de nós tem paixão”. Do Pai do autor desta narrativa, encontra-se o seguinte:
Um grupo de pretos humildes, Honorato, Benedito Lorena, Chico Vianna, Pascola Addeo, chefiado pelo guarda-freios, Damâncio, descia o morro da Igreja, fantasiado, cantando e dançando com pandeiro e reco-recos, quando se encontrou com os “Quem fala” (como o vulgo se referia à Sociedade do Depósito), cujos componentes obrigaram os pretos a voltar, dissolvendo o grupo, impedindo-os de percorrer as ruas. Achei este fato indigno e, no dia seguinte reuni os músicos da Banda XV de Novembro que eu dirigia, fizemos uma passeata com os pretos, demos bailes numa casa em frente à Estação Rodoviária (velha) e fundamos a Sociedade “Prazer das Morenas”, cujo título foi escolhido pelo Chico Vianna, em sua proverbial generosidade. Fui eleito Presidente, dirigindo-a durante sete anos. Fizemos cordões carnavalescos com enredos, os mais belos e luxuosos, préstitos com carros alegóricos e críticos, tudo com requintado gosto e arte, culminando com Corso e bailes. Viajantes que aqui aportavam, classificavam nosso carnaval como um dos melhores do Estado; acorriam para Cachoeira turistas de todo o Vale do Paraíba em automóveis e “jardineiras”. Comprei o prédio da Sociedade por quatorze contos, com a obrigação de pagar dois contos por ano. Somente a deixei depois de solvido o compromisso e com a escritura. Durante quatro anos nos mantivemos gratuitamente com os músicos, Nelson Lorena, Milton Lorena, Biloca, Pedrinho Rossetti. Hoje a Sociedade tem o pomposo título de Clube Literário, embora ali ninguém se dedique à literatura. Foi fundada também a Sociedade “Paz e Amor”, por João Mineiro, que emprestou singular brilho ao nosso carnaval, como também a “Quem Fala”, cuja rivalidade com o “Prazer das Morenas” gerou vários conflitos. Os salões das Sociedades eram indevassáveis, neles tendo ingresso somente os reconhecidos aficionados dos Clubes, para que o sigilo dos enredos fosse mantido. A elite participava dos cordões, figurando neles a fina flor da sociedade cachoeirense, com indumentárias adequadas ao enredo, bordadas em seda, vidrilhos, miçangas e lantejoulas, dançando pelas ruas envolta nos bombardeios das serpentinas, atiradas pelas hostes de Momo; paralisavam-se os bailes para que fossem retiradas as espessas camadas de confetes que encobriam o assoalho, impossibilitando o movimento dos foliões. Os enredos da “Corte da Rainha de Sabá”, foram os que mais impressionaram o povo. As “domingueiras”, os ensaios de carnaval, os bailes e matinês eram nossas constantes atividades. Hoje o Clube tem nova sede, construída na gestão de meu filho Nelson, que também fez o projeto.

Havia amor pelo Clube, patenteado pela dedicação e trabalho gratuito, emprestados pelos Macedo e operários da Central, de um lado, e de outro, Avelino Ventura, José Moreira Barbosa, Homero Brandão, Pércio Cardoso, Pascola Addeo, Quincas Ferreira, Tonizinho, João Barbosa, Antonio de Oliveira, Zildo Brandão, Vicente Buono, João Africano e muitos outros, filhos desta terra que, no passado deram um exemplo do que se pode fazer quando se objetiva projetar nossa Cachoeira no cenário do progresso.

E havia para isso tudo um cérebro, um homem inteligente, caprichoso, dinâmico, chamado Maestro Lorena, que anualmente se afastava da Central para se dedicar inteiramente aos interesses do Clube. Como lamentamos haver desaparecido, com esta geração agora aqui lembrada, a tenacidade a perseverança o amor à terra, o espírito de sacrifícios, que tantas glórias deram a Cachoeira... (em “A Tribuna” no início da década de 70).



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Ao professor e jornalista, José Maurício do Prado, ex-diretor proprietário do jornal “O Cachoeirense”, os nossos agradecimentos pelo acesso aos originais.


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